“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
VENENOS QUE CURAM
A malarioterapia, que
inocula uma versão “benigna” da malária, foi muito utilizada no tratamento da
sífilis terciária. Transmitida pelo Plasmodiun
vivax, não mata, produz febre alta, calafrios, cefaleia, dores musculares e
anemia. Sua aparente benignidade permitiu que fosse usada como imunoterapia a
partir do final do século XIX.
Nessa época surgiram
teorias de que episódios de febre alta poderiam melhorar quadros psiquiátricos,
tese defendida pelo psiquiatra austríaco Julius Wagner-Jauregg em 1880. Em 1917
experimentou infectar portadores de sífilis terciária com o agente da malária.
No período que vai de
1917 à descoberta da penicilina, nos anos de 1940, dezenas de milhares de
pacientes com sífilis terciária foram infectados com o parasita da malária, – o
colunista conheceu uma paciente que se submeteu a essa terapia no ano de 1954,
em Porto Alegre – até hoje não se conhece o mecanismo pelo qual a malária
estava associada à melhora dos quadros neuropsiquiátricos da sífilis terciária,
o fato é que a metade dos pacientes tratados melhorava o suficiente para
retornar à vida cotidiana.
Pela descoberta, Julius
Wagner-Jauregg recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1927.
Atualmente a sífilis
tardia latente é tratada com penicilina G benzatina no total de 7,2 milhões de
unidades, administrada em doses de 2,4 milhões de unidades IM, em intervalos de
uma semana.
Muitos fármacos de uso
corrente são derivados de venenos de aranhas, serpentes, escorpiões,
micro-organismos e vegetais. Denominados como “venenos do bem”, que a Fundação
Ezequiel Dias (Fundeb) e outras instituições desenvolvem a partir do isolamento
e caracterização bioquímica de componentes dos venenos obtidos na natureza,
resultam em produtos para restabelecer a saúde da população.
O desenvolvimento de
medicamentos a partir de venenos de animais não é recente. Na antiguidade
curandeiros, feiticeiros, mais recentemente médicos e cientistas acreditaram e
acreditam que “o mal com mal se cura” (similia
similibus curantur). Um exemplo de medicamento brasileiro que tem a sua
origem a partir de pesquisa com veneno é o Captopril
feito a partir do veneno da serpente jararaca-do mato, descoberto em 1960,
atualmente, é um remédio usado para tratar a hipertensão arterial. A partir de um animal marinho, o caramujo Conus, de cujo veneno foi isolada uma
substância que atualmente é usada contra a dor e pode substituir a morfina em
doenças crônicas. Outra pesquisa mostrou que poderá ser usada para controlar o
diabetes, afirma a pesquisadora Márcia Borges.
Vegetais com propriedades
tóxicas também são fornecedores de princípios ativos utilizados na farmacologia
e na medicina.
O curare, um veneno com aplicação médica é um produto inibidor que
relaxa os músculos estriados. Quando usado em flechas pelos aborígenes na caça
é um dos venenos mais letais do mundo, paralisa o animal atingido por asfixia,
mas não impede que sua carne possa ser consumida. Como auxiliar da anestesia
tem ação paralisante seletiva atingindo inicialmente os músculos do pescoço e
garganta, depois os esqueléticos das extremidades, tórax, o abdômen e por fim o
diafragma. O fato de relaxar os músculos estriados permite uma cirurgia mais
tranquila, principalmente dos intestinos.
A morfina é uma medicação
derivada do ópio, utilizado há séculos pela medicina no tratamento da dor. Ao
longo do tempo seu processo foi se aprimorando e deu origem à morfina sintética
produzida em laboratório. É usada como analgésico em casos extremos devendo sua
utilização ser supervisionada por médicos, pois, quando aplicada em doses e
condições heterodoxas pode, inclusive, levar a óbito ou tornar o paciente um
dependente. Um viciado. Nos EUA e Europa há um número expressivo de pessoas
usando a morfina de forma abusiva e ilegal.
São inúmeros os fármacos
que podem ser incluídos na classe dos derivados de venenos e eles não podem se
subestimados, muito menos utilizados de forma abusiva. A diferença entre um
fármaco e um veneno depende da dose e oportunidade do uso. Assim como o uso
abusivo pode levar à dependência, a subutilização permite aos micro-organismos,
segundo os princípios explanados no livro de Charles Darwin: A origem das espécies, se tornarem
imunes, tolerantes, ao seu efeito terapêutico. É por isso que as vacinas devem
ser repetidas por outras que também nos protejam de cepas que se tornaram resistentes.
Levando ao extremo, não
existem substâncias, sejam quais forem, que possam ser usadas em quantidades
fora do contexto. Até a água, essencial à vida, quando em excesso afoga.
Jayme José
de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
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