“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
HAMLET
“Há
algo de podre no reino da Dinamarca”. (Hamlet – Shakespeare)
A obra mais conhecida de
William Shakespeare tem um significado que perpassa o tempo desde quando a
Grécia representava a cultura do mundo. Reis, imperadores e figuras notáveis
viviam em constante sobressalto, a qualquer momento seus adversários, no
próprio território, procuravam elimina-los para assumir o poder. Mitrídates VI,
rei do Ponto (120-63 a.C.) foi envenenado em um banquete e seu filho, também
chamado Mitrídates tinha medo de ter o mesmo destino e para se precaver criou o
hábito de beber pequenas doses de veneno diariamente. Uma gota no primeiro dia,
duas no segundo e assim sucessivamente. O organismo adquiriu a imunidade que
inspirou as vacinas e recebeu o nome de MITRIDATISMO.
A tragédia escrita por
William Shakespeare entre 1599 e 1601 eternizou Hamlet. O príncipe busca vingar
a morte do pai e a trama se desenvolve com uma densa narrativa que reflete os
conflitos da família. Amor, loucura, sanidade, filosofia, poder, moralidade,
corrupção e todas as circunstâncias da condição humana.
A mensagem de Hamlet é
que ninguém pode se considerar dono do mundo onde nada poderá lhe acontecer. Há
vilania explícita em toda a parte e mesmo que amiúde oculta, surgirá aos olhos
da população. Esta é a esperança que anima os honestos, sensatos e, mesmo em
nosso tempo é um farol que pode nos guiar para o porto seguro. Um dia nos
liberaremos dos sátrapas (indivíduos
muito poderosos e arbitrários, déspotas.) que levam uma vida faustosa,
de voluptuosidade, em busca da fortuna sem esforço e cercados por áulicos
(puxa-sacos) dispostos a tudo para homenagear, proteger e catapultar tudo o que
seus ídolos almejam.
O Brasil, desde a época
do descobrimento, se movimenta nesse mundo onde os “mais iguais” se consideram inimputáveis e não desdenham nenhum
recurso, por mais escandaloso que seja. Corromper quem possa ameaçar deus
privilégios ou varrer para baixo do tapete os malfeitos praticados não lhes
causa pejo nem pesa na consciência. Será que têm freio ético?
Mesmo após investigações
– até baseadas em provas fornecidas por delatores – conseguem se escamotear por
entre as malhas das leis que se assemelham a teias de aranhas: capturam as
pequenas presas e são rompidas pelas grandes.
Buscam se escafeder das
investigações, não chegam sequer a julgamento na melhor das hipóteses, buscam
interferir usando todos os artifícios, legais ou nem tanto quando isto não resulta
possível, alcançar a anulação de condenações e dos processos ainda em
julgamento. Perante a Justiça é como se nada houvesse ocorrido.
Episódios como estes e
semelhantes fazem-nos lembrar a frase:
“Ainda há juízes em Berlim”.
Remete a um caso que se
tornou famoso, em 1745, na Prússia. Um moleiro tinha seu moinho nas cercanias
do palácio do rei Frederico II, déspota amigo de intelectuais. Um dos áulicos
do soberano tentou removê-lo dali, ele se negava a sair. Frederico o chamou para
saber o motivo. O moleiro, então, teria dito a célebre frase: “Ainda há juízes em Berlim”. Para o
humilde moleiro, a Justiça não haveria de se deixar influenciar.
A frase é de autoria de François
Audrieux, que escreveu o conto “O moleiro
de Sains-Souci”.
O presidente do STF,
ministro Luiz Fux, 273 anos depois afirmou que a anulação dos processos da
Operação Lava-Jato foi um ato “formal” (revestido
de formalidades) e não pode apagar os fatos que foram comprovados nas
investigações.
O ministro lembrou os R$ 51 milhões apreendidos em um apartamento ligado
ao ex-ministro Geddel Vieira Lima em 2017 e, também, os recursos desviados da
Petrobras (escândalo do mensalão).
Miguel Reale Júnior,
ex-ministro da Justiça: “Corrupção foi
comprovada pela documentação que acompanhou as delações premiadas. Os erros da Odebrecht
e políticos beneficiados”. Embora não cite nominalmente, entre Lava-Jato não inocentam os diretores da
Petrobras, nem diretores da as condenações da Lava-Jato anuladas pelo STF
estão as impostas a figurões.
Sim,
como vemos, no Brasil também existem juízes que lembram os de Berlim em 1745.
“Se
você tem uma maçã e eu tenho outra maçã e nós trocamos a maçã, então cada um
terá uma maçã. Mas, se você tem uma ideia e eu tenho outra, então cada um terá
duas ideias”.
Em 6 de setembro de 2023
o ministro Dias Toffoli afirma que a prisão de Lula foi “armação” e anula provas do acordo de
leniência da Odebtrecht. Esses elementos serviram de base para diversas
acusações e processos da operação Lava-Jato. O magistrado declarou que essas
provas são imprestáveis e não podem ser usadas em processos criminais,
eleitorais e em casos de improbidade administrativa. Em sua decisão, Toffoli
também manda órgãos como a Advocacia-Geral da União, Procuradoria-Geral da
República e Conselho Nacional da Justiça apurem a responsabilidade de agentes públicos
envolvidos na celebração do acorde de leniência. Agora, ele declara
imprestáveis o uso dessas provas em qualquer “âmbito ou grau de jurisdição”
para todos os implicados.
E
agora, José?
Jayme José
de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
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