“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
FLÁVIO
ALCARAZ GOMES
Em todos os tempos todas as profissões
gestaram representantes que parecem aureolados e predestinados a mudar o curso
dos acontecimentos. Nunca mais se verá o que era corriqueiro até então servir
de norte. Muda-se o modus operandi tradicional para sempre. Flávio Alcaraz Gomes
(25/05/1927 - 05/04/2011) foi um desses meteoros que iluminaram o céu do
jornalismo e embeveceram multidões. Seu faro em encontrar soluções onde elas se
afiguravam inexistentes foi comprovado inúmeras vezes. Uma Copa do Mundo não
dispunha mais ramais disponíveis? Sem problema, até em off-tube se pode
transmitir. Uma guerra recrudesce ou se vislumbra no horizonte? Lá está
presente o Flávio para cobrir in loco. Nunca um prelado brasileiro rezou uma
missa na Basílica da Natividade em Belém? Flávio abre as portas para o
arcebispo dom Vicente Scherer, Porto Alegre, realizar o sonho acalentado há
tanto tempo.
De uma coisa podemos ter certeza:
quando uma pneumonia o levou em abril de 2011 encerrou uma era e dificilmente
sua ausência será preenchida. Seu nome se ombreia a tantos que mudaram o curso
da história do jornalismo.
“Diário de um repórter – 50 anos sem
medo”, o título de uma das obras de Flávio é uma obra digna de ser lida,
detalha em minúcias a longa e exitosa carreira desse que foi,
incontestavelmente, figura de proa de dois jornais (Correio do Povo e Zero
Hora), de duas rádios (Rádio Gaúcha e Rádio Guaíba) de duas emissoras de TV
(Guaíba e Pampa) onde apresentou “Guerrilheiros da Notícia”, um programa de
debates multifacetado.
Transcrevo dois episódios do livro
“Diário de um repórter- 50 anos sem medo”:
No dia 24 de dezembro de 1967, na
Basílica da Natividade, Belém, o arcebispo dom Vicente Scherer reza a que
talvez tenha sido a mais bela missa de sua vida. Flávio realizava mais uma de
suas missões impossíveis: um prelado brasileiro, gaúcho, rezava uma missa na
pequena Igreja da Natividade erguida sobre a gruta do Menino. Está repleta de
emoção. Um coral magnífico canta “Noite Feliz”. A liturgia é de “Angelis”. No
sermão, dom Vicente prega a paz entre os homens de boa vontade – e os de má
vontade também. É a primeira que um prelado brasileiro reza a Deus na Noite
Santa, na Cidade Santa. Diante do altar nos abraçamos comovidos. Saímos
para a noite chuvosa. Jipes de capota baixa, com sacos de areia sobre o capô patrulham
as ruas árabes. No alto do céu de Belém brilha uma estrela. De neon.
Oito de maio de 1968 – Estou em Paris
para cobrir a Conferência da Paz. Americanos e vietnamitas concederam
finalmente se encontrar para terminar sua interminável guerra. Sou um dos mil e
quinhentos repórteres vindo de todo o mundo para testemunhar o histórico
acontecimento. Ele se propagaria durante anos. Fomos salvos, para nossa sorte,
por um dos mais ferozes movimentos de revolução urbana neste século. No fundo,
rebeldes sem causa, os estudantes com suas hostes encorpadas por operários transformaram
Paris numa praça de guerra. Em poucos minutos as ruas tinham seus
paralelepípedos arrancados e jogados contra a polícia. Se revidasse e matasse
alguém as consequências seriam imprevisíveis. Automóveis eram empilhados,
plátanos centenários atorados em minutos por motosserras obstruindo boulevards
como o Saint Germain, Saint Michel e Montparnasse. Traçadas com ampla largura
para evitar barricadas, se revelaram inúteis. Cada vez que os policiais
carregavam, eram incendiadas com o combustível retirado dos automóveis que,
junto com as árvores abatidas lhes serviam de anteparo. Durante três semanas eu
vi Paris em chamas, contando tudo pelos jornais e rádio. Na
volta escrevi mais um livro – “A rebelião dos jovens”, no qual contei com
minúcias a história, desde o começo da revolta dos estudantes de Nanterre,
passando pelo acovardamento da maioria silenciosa que ensejou a Charles de
Gaulle provar, mais uma vez, ser o homem mais forte e firme da França. (Flávio
Alcaraz Gomes – Diário de um repórter – 50 anos sem medo).
REQUIESCAT IN PACE, Flávio.
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
Nenhum comentário:
Postar um comentário