IMORTALIDADE IV – Henrietta Lacks, a mulher imortal
2 – 02/12/2.015
“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
IMORTALIDADE IV
ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE
XIX
A VIDA IMORTAL DE HENRIETTA
LACKS - 2
Henrietta Lacks, cujo nome de
batismo era Loretta Pleasant, nascida em 1920, desenvolveu um tumor cervical
que mudaria o entendimento de muita coisa na biologia. As células extraídas de
sua biópsia ainda estão vivas, e com certeza são muito mais numerosas hoje do
que quando ela era viva, até 1951. Mas a história de Henrietta e sua família é
muito mais rica do que suas células, e grande parte desta noção seria perdida
sem o
livro de Rebecca Skloot “A Vida Imortal de Henrietta Lacks”.
Rebecca é uma escritora com
formação em ciências, que queria contar a história de Henrietta desde que ouviu
sobre células HeLa aos 16 anos. “A Vida Imortal” é seu primeiro livro, e
consumiu 10 anos (e um casamento, nas palavras dela) para ser escrito,
principalmente porque ela precisou contatar os familiares e fazer grande parte
do levantamento de material com a filha mais nova de Henrietta, Deborah.
Para começar, nem Henrietta nem
sua família autorizaram o uso nem souberam do destino de suas células. Seus
filhos só foram informados do acontecido no começo da década de 1970, por puro interesse,
quando se cogitou estudar o conteúdo genético da família Lacks por causa das
células. E mesmo assim foram mal informados. O marido de Henrietta, David Lacks
mal havia cursado o ensino fundamental, e ao ser informado sobre as células
HeLa, sem fazer idéia do que era uma célula, entendeu que sua mulher havia sido
mantida viva pelos últimos 20 e poucos anos, sendo utilizada como cobaia em
diversos laboratórios para todo tipo de testes.
Rebecca conta em seu livro a
dificuldade que foi conseguir encontrar os filhos de Henrietta, em grande parte
pela forma com que foram sempre tratados pela mídia e por cientistas, muitas
vezes ávidos por fazer perguntas, mas sem paciência nenhuma para explicar o que
faziam com as células de sua mãe. Muito pobres e com pouca educação, nunca
lucraram com todo o uso comercial que foi feito com as células HeLa. Milhões em
vendas de células e reagentes, sem contar os produtos desenvolvidos graças aos
testes que elas permitiram.
No hospital, uma amostra do colo do útero de Henrietta havia
sido extraída sem o seu conhecimento, e fornecida à equipe de George Gey. Gey
demonstrou que as células cancerígenas desse tecido possuíam uma característica
até então inédita - mesmo fora do corpo de Henrietta, multiplicavam-se num
curto intervalo, tornando-se virtualmente imortais num meio de cultura
adequado. Por causa disso, as células 'HeLa', logo começaram a ser utilizadas
nas pesquisas em universidades e centros de tecnologia. Como resultado, a
vacina contra a poliomielite e contra o vírus HPV, vários medicamentos para o
tratamento de câncer, de AIDS e do mal de Parkinson, por exemplo, foram obtidos
com a linhagem 'HeLa'. Apesar disso, os responsáveis jamais deram informações
adequadas à família da doadora ou ofereceram qualquer compensação moral ou
financeira pela massiva utilização das células. “A vida imortal de Henrietta
Lacks” reconstitui a vida e a morte desta personagem da história da medicina. O
livro procura demonstrar como o progresso científico do século XX deveu-se em
grande parte a essa mulher.
Henrietta, em uma das poucas fotos dela que se conhece.
A narrativa do livro segue duas
frentes, uma descrevendo o rumo que as células de Henrietta percorreu, a doação
para milhares de pesquisadores que obtiveram inúmeros achados, e tiveram até
outras culturas contaminadas e dominadas pelas sempre crescentes HeLa. A outra,
descrevendo a aventura da autora e de Deborah para descobrir mais sobre sua mãe
e sua família, inclusive o destino de uma irmã com problemas mentais que havia
desaparecido após a morte de Henrietta. Uma mistura fantástica de ciência e
história pessoal, que com certeza contribuiu para o livro ser um dos mais
vendidos nos EUA por semanas após seu lançamento. É uma leitura deliciosa para
todo tipo de interesse, científico ou não.
Ao fim, uma ótima discussão sobre
bioética, sobre o uso de material biológico derivado de pacientes, e as
implicações filosóficas, jurídicas e comerciais. Um livro que levou dez anos
para ser escrito, e foi concluído e publicado pouco depois da morte de Deborah.
De blogueira e escritora para autora de
um enorme best-seller, Rebecca com certeza merece a fama que alcançou, ainda
mais impressionante por ser seu primeiro livro.
Para mim, a melhor leitura “não
ciência” do ano passado.
Desde então, tenho usado células
HeLa em meus experimentos, basicamente para infectá-las com HIV sem que ele se
replique, pois ele não encontra os receptores que precisa na superfície destas
células. Não consigo evitar pensar na
história do livro toda vez que vejo as iniciais no frasco de cultura, e pensar
que muita gente deve cultivá-las sem nem saber o que se passou antes de elas
estarem no frasco. Alguém aí conhece a história das células Ghost, que também
uso?
Obs: Um documentário da BBC de
1997, The Way of All Flesh, por Adam Curtis, que nas palavras do Kentaro “Se é
Adan Curtis, tem que ver. Vale não só pela história de Henrietta, mas
também por toda a história da descoberta e do combate ao câncer que ele conta.
A autora criou uma fundação para onde parte
dos proventos deste livro está sendo encaminhada.
Rebecca Skloot
|
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
Nenhum comentário:
Postar um comentário