“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
SÓCRATES, THOMAS MORUS E JOHN LE CARRÉ
A insatisfação, complemento umbilical da curiosidade, em
conjunto permitem ao homo sapiens desvendar os mais recônditos escaninhos da
natureza. Não fora a curiosidade, ainda estaríamos habitando em cavernas.
A nossa civilização se desenvolveu porque a insatisfação
não permitiu que nos deitássemos sobre os louros das primeiras conquistas.
Pensas que o leito de musgos e folhas secas sobre as quais repousas são o
máximo que podes auferir? Levanta e elabora algo melhor, mais higiênico, mais
confortável, espicaçou a insatisfação.
E o homo neanderthalensis, há 350 mil anos, um primata
na legítima acepção da palavra iniciou a longa, sofrida, laboriosa jornada que
nos trouxe até aqui. E seguimos rumo a... não sabemos para onde, apenas temos a
certeza que há muito caminho a trilhar.
John Le Carré escreveu “Amigos absolutos”, uma
verdadeira diatribe ao nosso mundo dicotomizado. É dele na página 199 que
reproduzo um texto:
“Nos anos e meses em que fui retirado de Berlim Ocidental entrei em uma
escuridão total. De que valiam alguns carros incendiados e janelas quebradas?
Nosso movimento era inspirado não pela vontade das classes oprimidas, mas pela
culpa liberal dos ricos. Em meu tumulto pessoal considerava as miseráveis
alternativas à minha disposição. A adoração ao Deus da prosperidade inspirada
pelos americanos me espicaçava ao ponto da demência. Se queremos construir um
mundo melhor do que este, eu perguntava a mim mesmo: Para quem nos voltamos,
que ações apoiamos, como podemos frustrar a marcha interminável da agressão
capitalista imperialista”? (Sasha, personagem anarquista do livro “Amigos
Absolutos” de John Le Carré, pg. 199).
Thomas Morus, em 1516, publicou “Utopia” que até hoje é
ufanada por quem não leu ou leu e não entendeu patavinas.
Aos 17 anos li pela primeira vez e desatei em
gargalhadas ante os desatinos inseridos. Aos 50 anos reli e, desta vez, fiquei
chocado e não pude acreditar que haja alguém que considere sua “Bíblia”.
Rápidos traços da obra, não me permito maiores
considerações:
Revoltado com as condições desumanas em que viviam as
classes da base da pirâmide na Inglaterra: 16 horas de labor diárias, sem
descanso semanal, sem férias, sem aposentadoria, sem assistência médica, sem um
mínimo de dignidade... UM HORROR! Descreveu em contrapartida uma sociedade
igualitária na “Ilha da Utopia”. Será verdadeiro o ´”Paraíso”?
1. Não
havia dinheiro, todos eram iguais. (???)
2. O
ouro era desprezado, fabricavam-se penicos com ele... mas era usado para
financiar mercenários já que não possuía exército.
3. Não
havia ascensão entre as gerações. Na prática, quem nascia filho de pedreiro
jamais ascenderia a mestre-de-obras.
4. Professores,
apenas os 2.000 sacerdotes e quem discutia o mestre era, se não se enquadrasse,
relegado ao status de escravo.
5. Se
todos eram iguais perante a lei, como admitir a existência de escravos oriundos
de prisioneiros de guerra e dos inconformados com seu status?
“Escravidão e ordem política” é uma comparação entre
“Política” de Aristóteles e “Utopia” de Thomas Morus.
Excerto do artigo escrito por Felipe Landim Ribeiro
Mendes – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de
História da Universidade de São Paulo (USP): “Este
artigo pretende demonstrar como a escravidão aparece como um ponto fundamental
nas ordenações políticas de Aristóteles e Thomas Morus. Por meio de uma análise
da “Política” e da “Utopia”, busca-se esclarecer como os dois filósofos
enxergam o cativeiro como algo além do que uma simples relação de dominação ou
modelo de trabalho, encontrando na instituição escravagista uma das balizas de
suas sociedades ideais”.
À primeira vista esta coluna aborda assuntos tão
divergentes, opiniões tão contraditórias que o nexo parece ter dado um adeus e
se evaporado. Contudo, analisem as opiniões dos maiores experts da atualidade e
mesmo do passado, verificarão que o nexo tem sido raqueteado para lá e para cá
como se uma bola de pingue pongue fosse.
O anseio do colunista é que, mais dia menos dia se
encontre um denominador comum, a humanidade esqueça suas divergências e
possamos, finalmente, viver em harmonia.
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
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