sábado, 12 de fevereiro de 2022

1808

 


PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira

“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

 

1808

“Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil”.

Laurentino Gomes é membro do Instituto Histórico e Geográfico se São Paulo. Pós-graduado em Administração e com cursos de especialização na Inglaterra e Estados Unidos. Escreveu “1808”, 1822 e 1889, três volumes que dissecam a História do Brasil com uma pertinência, objetividade e discernimento extraordinários.

1808 relata a fuga de D. João VI e toda a corte de Portugal para o Brasil, fugindo de Napoleão, que era um rolo compressor imparável.

Resultado de dez anos de investigação jornalística, resgata e relata de forma acessível a história da fuga da corte de Portugal para o Brasil há duzentos anos.  Na realidade, a História do Brasil pode ser dividida entre antes e depois do fato.                                                                                                          Esta coluna incluirá excertos desta magnífica obra. Merecem ser conhecidos e divulgados.

“Imaginem que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia que o Presidente da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção da Força Aérea dos Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros, os integrantes dos tribunais de Justiça, os deputados e senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta altura, tropas da Argentina já estariam marchando sobre Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo governo e todos os dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que encontrassem pela frente e assumir o controle por tempo indeterminado”. (pg. 31)

Inimaginável? Foi exatamente algo similar o que aconteceu na manhã de 29 de novembro de 1807 quando circulou a informação de que a rainha de Portugal, o príncipe regente e toda a corte estavam fugindo para o Brasil sob a proteção da Marinha Britânica.

“Por volta das 3 horas da tarde, o menino José Trazimundo estava jantando em companhia do pai e dos irmãos quando ouviu o troar distante dos canhões. Era a Esquadra Inglesa do almirante Sidney saudando, com uma salva de 21 tiros, o pavilhão real da nau que conduzia o príncipe regente que deixava a barra do rio Tejo para entrar no Oceano Atlântico.      Abandonado à própria sorte, Portugal veria os piores anos de sua história”. (pg.56)

Cumpre perguntar: D. João VI tinha alternativa?

Quais as condições dos trânsfugas nessa retirada desordenada e feita sem planejamento?

“Tão grande foi o número de pessoas e tão apinhados estavam todos os navios que mal havia espaço para elas se deitarem nos conveses. As damas (...), desprovidas de qualquer traje, à exceção dos que estavam usando. Como os navios tinham apenas pequenas provisões, logo se tornou necessário solicitar ao almirante britânico que acolhesse a bordo de sua esquadra grande quantidade de passageiros. E, (para esses) foi uma grande sorte, porque os que permaneceram foram realmente objeto de piedade. A maior parte dormia no tombadilho, sem camas nem cobertas. A água era o artigo principal a reclamar atenção, a porção distribuída era mínima e a comida da pior qualidade, de tal modo que a vida se tornou um fardo”. (pg.94)

As peripécias que se desenrolaram durante a travessia do Oceano Atlântico até a chegada ao Brasil foi uma epopeia que todos os partícipes vivenciaram e guardaram pelo resto de suas vidas.

As naus que partiram num comboio, durante a travessia se separaram em dois grupos. Uma parte chegou ao Rio de Janeiro e a outra aportou na Bahia, nesta estava D. João VI e os principais membros da realeza.

“No dia 22 de janeiro, após 54 dias de mar e aproximadamente 6.400 quilômetros percorridos, D. Joáo VI aportou em Salvador. O restante do comboio tinha chegado ao Rio de Janeiro uma semana antes, no dia 17 de janeiro.

Apesar das agruras e perigos, não há notícia de mortes em acidentes fatais durante a viagem.

“A mesma Bahia que trezentos anos antes tinha visto a chegada da esquadra de Cabral, testemunhava um acontecimento que haveria de mudar para sempre e de forma profunda a vida dos brasileiros. Com a chegada da corte à Baía de Todos os Santos começou o último ato do Brasil-colônia e o primeiro do Brasil independente.

D. João VI passou um mês na Bahia. Foram dias de incontáveis festas, celebrações, passeios e decisões importantes, que haveriam de mudar os destinos do Brasil.

No dia 28 de janeiro, apenas uma semana depois de aportar em Salvador, D. João VI foi ao Senado da Câmara assinar seu mais famoso ato em território brasileiro: A CARTA RÉGIA DE ABERTURA DOS PORTOS AO COMÉRCIO DE TODAS AS NAÇÕES AMIGAS. A partir dessa data estava autorizada a importação de todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias que se conservavam em paz e harmonia com a Real Coroa”. (pg.106)

A chegada de D. João VI ao Brasil, como foi explicitado anteriormente, representou um divisor de águas que dicotomizou a História do Brasil.

“Duzentos anos atrás, o Brasil não existia. Pelo menos não era como é hoje: um país interligado, de fronteiras bem definidas e habitantes que se identificam como brasileiros, torcem pela mesma seleção de futebol, usam os mesmos documentos, viajam para fazer turismo ou trabalhar em cidades e estados vizinhos, frequentam escolas com currículo unificado, compram e vendem produtos e serviços.                                                                               Às vésperas da chegada da corte ao Rio de Janeiro, o Brasil era um amontoado de regiões mais ou menos autônomas, sem comércio ou qualquer outra forma de relacionamento. Cada capitania tinha o seu governante, sua pequena milícia e seu pequeno tesouro; geralmente uma ignorava a existência da outra, assinalou o naturalista francês Auguste de Saint Hilaire, que percorreu o Brasil de norte a sul entre 1816 e 1822.    Tudo isso mudaria com a chegada do príncipe regente. Agora essas províncias iam se fundir numa real unidade política, encontrando seu eixo natural na própria capital, o Rio de janeiro, onde passava a residir o rei, a corte e o gabinete”. (pg. 111)

Esta, em breves traços, a epopeia que transformou o Brasil-colônia num país que, em 1822, se declarou independente de Portugal com o brado “Independência ou Morte”, de D. Pedro I, às margens do Riacho Ipiranga.



Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado


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