“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
1808
“Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte
corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil”.
Laurentino Gomes é membro do Instituto Histórico e
Geográfico se São Paulo. Pós-graduado em Administração e com cursos de
especialização na Inglaterra e Estados Unidos. Escreveu “1808”, 1822 e 1889,
três volumes que dissecam a História do Brasil com uma pertinência,
objetividade e discernimento extraordinários.
1808 relata a fuga de D. João VI e toda a corte de
Portugal para o Brasil, fugindo de Napoleão, que era um rolo compressor
imparável.
Resultado de dez anos de investigação jornalística,
resgata e relata de forma acessível a história da fuga da corte de Portugal
para o Brasil há duzentos anos. Na
realidade, a História do Brasil pode ser dividida entre antes e depois do fato. Esta
coluna incluirá excertos desta magnífica obra. Merecem ser conhecidos e
divulgados.
“Imaginem
que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia que o Presidente
da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção da Força Aérea dos
Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros,
os integrantes dos tribunais de Justiça, os deputados e senadores e alguns dos
maiores líderes empresariais. E mais: a esta altura, tropas da Argentina já
estariam marchando sobre Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a caminho de
Brasília. Abandonado pelo governo e todos os dirigentes, o Brasil estaria à
mercê dos invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que encontrassem
pela frente e assumir o controle por tempo indeterminado”. (pg.
31)
Inimaginável? Foi exatamente algo similar o que
aconteceu na manhã de 29 de novembro de 1807 quando circulou a informação de
que a rainha de Portugal, o príncipe regente e toda a corte estavam fugindo
para o Brasil sob a proteção da Marinha Britânica.
“Por
volta das 3 horas da tarde, o menino José Trazimundo estava jantando em
companhia do pai e dos irmãos quando ouviu o troar distante dos canhões. Era a
Esquadra Inglesa do almirante Sidney saudando, com uma salva de 21 tiros, o
pavilhão real da nau que conduzia o príncipe regente que deixava a barra do rio
Tejo para entrar no Oceano Atlântico.
Abandonado à própria sorte, Portugal veria os piores anos de sua
história”. (pg.56)
Cumpre perguntar: D. João VI tinha alternativa?
Quais as condições dos trânsfugas nessa retirada
desordenada e feita sem planejamento?
“Tão
grande foi o número de pessoas e tão apinhados estavam todos os navios que mal
havia espaço para elas se deitarem nos conveses. As damas (...), desprovidas de
qualquer traje, à exceção dos que estavam usando. Como os navios tinham apenas
pequenas provisões, logo se tornou necessário solicitar ao almirante britânico
que acolhesse a bordo de sua esquadra grande quantidade de passageiros. E,
(para esses) foi uma grande sorte, porque os que permaneceram foram realmente
objeto de piedade. A maior parte dormia no tombadilho, sem camas nem cobertas.
A água era o artigo principal a reclamar atenção, a porção distribuída era
mínima e a comida da pior qualidade, de tal modo que a vida se tornou um
fardo”. (pg.94)
As peripécias que se
desenrolaram durante a travessia do Oceano Atlântico até a chegada ao Brasil
foi uma epopeia que todos os partícipes vivenciaram e guardaram pelo resto de
suas vidas.
As naus que partiram num
comboio, durante a travessia se separaram em dois grupos. Uma parte chegou ao
Rio de Janeiro e a outra aportou na Bahia, nesta estava D. João VI e os
principais membros da realeza.
“No
dia 22 de janeiro, após 54 dias de mar e aproximadamente 6.400 quilômetros
percorridos, D. Joáo VI aportou em Salvador. O restante do comboio tinha
chegado ao Rio de Janeiro uma semana antes, no dia 17 de janeiro.
Apesar
das agruras e perigos, não há notícia de mortes em acidentes fatais durante a
viagem.
“A
mesma Bahia que trezentos anos antes tinha visto a chegada da esquadra de
Cabral, testemunhava um acontecimento que haveria de mudar para sempre e de
forma profunda a vida dos brasileiros. Com a chegada da corte à Baía de Todos
os Santos começou o último ato do Brasil-colônia e o primeiro do Brasil
independente.
D.
João VI passou um mês na Bahia. Foram dias de incontáveis festas, celebrações,
passeios e decisões importantes, que haveriam de mudar os destinos do Brasil.
No
dia 28 de janeiro, apenas uma semana depois de aportar em Salvador, D. João VI
foi ao Senado da Câmara assinar seu mais famoso ato em território brasileiro: A
CARTA RÉGIA DE ABERTURA DOS PORTOS AO COMÉRCIO DE TODAS AS NAÇÕES AMIGAS. A
partir dessa data estava autorizada a importação de todos e quaisquer gêneros,
fazendas e mercadorias que se conservavam em paz e harmonia com a Real Coroa”. (pg.106)
A chegada de D. João VI ao
Brasil, como foi explicitado anteriormente, representou um divisor de águas que
dicotomizou a História do Brasil.
“Duzentos
anos atrás, o Brasil não existia. Pelo menos não era como é hoje: um país
interligado, de fronteiras bem definidas e habitantes que se identificam como
brasileiros, torcem pela mesma seleção de futebol, usam os mesmos documentos,
viajam para fazer turismo ou trabalhar em cidades e estados vizinhos,
frequentam escolas com currículo unificado, compram e vendem produtos e
serviços. Às
vésperas da chegada da corte ao Rio de Janeiro, o Brasil era um amontoado de regiões
mais ou menos autônomas, sem comércio ou qualquer outra forma de relacionamento.
Cada capitania tinha o seu governante, sua pequena milícia e seu pequeno
tesouro; geralmente uma ignorava a existência da outra, assinalou o naturalista
francês Auguste de Saint Hilaire, que percorreu o Brasil de norte a sul entre
1816 e 1822. Tudo isso mudaria com a
chegada do príncipe regente. Agora essas províncias iam se fundir numa real
unidade política, encontrando seu eixo natural na própria capital, o Rio de
janeiro, onde passava a residir o rei, a corte e o gabinete”. (pg. 111)
Esta,
em breves traços, a epopeia que transformou o Brasil-colônia num país que, em
1822, se declarou independente de Portugal
com o brado “Independência ou Morte”, de D. Pedro
I, às margens do Riacho Ipiranga.
Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado
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