“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
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CATILINÁRIAS
A
humanidade parece ter inserido em seu DNA alguns procedimentos que perpassam os
tempos e se repetem ciclicamente. Alguns impulsionam a civilização para o
destino que será atingido cedo ou tarde: o convívio pacífico, harmonioso e
socialmente justo para toda a população. Ao contrário da “Utopia” de Thomas
Morus, não haverá a uniformidade que se observa nas colmeias, afinal de contas
os homens são idiossincráticos e se diferenciam individualmente. O que
almejamos é uma vida digna para todos, cada qual com seu potencial atingido, dentro
de suas potencialidades.
Outros,
e Catilina não é exceção, comprazem-se em tirar vantagem em tudo – “Lei de
Gerson” – e, quando por desídia, falta de talento ou de persistência não
atingem seus objetivos, a falta de escrúpulos inerente em suas mentes
deformadas apela para recursos escusos. Desde sempre e não sabemos até quando.
Em 63
a.C. Marco Túlio Cícero, o maior filósofo romano de todos os tempos, ocupava o
posto de cônsul, cargo máximo do Senado. Descobriu que o senador Lúcio
Catilina, arruinado por dívidas era o mentor duma conspiração que tramava tomar
o poder e contava com o apoio de homens ricos e militares financeiramente
arruinados.
Ao se
inteirar desses planos, Cícero convocou uma reunião do Senado e pronunciou o
primeiro dos quatro célebres discursos contra Catilina, que ficaram conhecidos
como “Catilinárias”. A intervenção de Cícero se tornou um clássico da política
e passou ser invocado ao longo dos últimos dois mil anos sempre que um homem
público ou corporação atenta contra o interesse geral da população.
Por
fim Cícero conseguiu sufocar a revolta de Catilina e deu uma sobrevida ao
Império Romano.
“Até
quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
Por
quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
A que
extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?
Nem a
guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem o temor do povo, nem a
afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a
reunião do Senado, nem a expressão do voto destas pessoas, nada disto conseguiu
perturbar-te?
Não te
dás conta que os teus planos foram descobertos?
Não
vês que a tua conspiração a têm já dominada todos estes que a conhecem?
Quem,
dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na
precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste?
Oh
tempos, oh costumes!”
O primeiro
e o último destes discursos foram dirigidos ao senado de Roma,
os outros dois foram proferidos diretamente ao povo romano. Todos quatro foram
compostos para denunciar explicitamente Lúcio Sérgio Catilina.
No ano
seguinte o rebelde caiu, vindo a morrer no campo de batalha.
O
Brasil atravessa uma fase conturbada de sua história, porém, como nos tempos de
Cícero, não se antevê o futuro como uma tragédia irreversível. Pode-se avistar
uma luz no fim do túnel.
Quando,
e se, despirmos o intolerante manto do sectarismo e admitirmos que fomos e
somos todos partícipes do descalabro que se instalou e se avoluma a passos
largos, poderemos redirecionar a rota e nos desviarmos do iceberg ali adiante.
Ao contrário do Titanic que soçobrou devido à falsa sensação de
indestrutibilidade e à soberba do comandante, unindo esforços e batalhando
ombro-a-ombro sem distribuir rasteiras, realinharemos não apenas a economia
mas, principalmente, o conviver irmanados como têm preconizado incessantemente
o Papa Francisco. Senão...
Cicero
acusando Catilina no senado (Afresco de Cesare Maccari, século XIX)
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