segunda-feira, 25 de julho de 2016

A SUPERMÁQUINA 6 - O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS NEURÔNIOS




Publicado em "www.litorakmania.com.br" - 25/07/2.016
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PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira
“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

A SUPERMÁQUINA 6 – O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS NEURÔNIOS
O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS NEURÔNIOS
Depois de um século pensando o contrário, os cientistas descobriram que novos neurônios nascem também em adultos. Agora sonham com a cura de lesões na espinha, derrames, Parkinson e Alzheimer
Célula difícil, é a estrela do organismo, complicada que só ela. Tem centenas de ligações a solicitando ao mesmo tempo. Carrega na bolsa substâncias químicas cujos sutis efeitos os cientistas ainda não entendem bem. Como sempre acontece, essa condição de prima-dona vem acompanhada de um péssimo temperamento. Ao ser afetada por qualquer mal, sua recuperação vira um drama. Por fim, como toda celebridade, ela é insubstituível.
Era. Uma equipe da Universidade Rockefeller, em Nova York, anunciou que outra célula, chamada astrócito, consegue gerar novos neurônios em pelo menos uma região do cérebro, a que armazena a memória. Melhor ainda: os astrócitos são muito abundantes no sistema nervoso, ou seja, o potencial de restauração é gigantesco. A descoberta vem no rastro de uma outra, tão surpreendente quanto. Em novembro do ano passado, um sueco e um americano tornaram realidade o sonho de dez em cada dez neurologistas, eles concluíram que neurônios de adultos se regeneram, sim. Agora, pesquisadores do mundo todo estão tentando domar as indóceis estrelas e convencê-las a voltar ao trabalho depois de um tropeção qualquer.
Cada neurônio é diferente de todos os outros. No sistema nervoso, ao contrário dos demais tecidos, cada um é um, com forma, função e arsenal químico únicos. Imagine a dificuldade que seria repor essa célula, caso ela morra. Não é à toa que nunca se imaginou que o cérebro conseguisse se regenerar. Pode, sim!
Tudo o que sempre se pensou sobre neurônios ruiu em novembro de 1.998, quando Fred Gage, da Universidade da Califórnia, e Peter Eriksson, do Instituto Universitário de Gotemburgo, Suécia, publicaram a notícia mais esperada da história da neurobiologia. Eles tinham observado cérebros de cinco cadáveres e a conclusão chacoalhou a Medicina. Todos haviam gerado neurônios antes de morrer.
É verdade que só uma pequena região do cérebro foi pesquisada, o hipocampo, e que o número de novas células era irrisório – não mais que uma dúzia. Mas, desde 1.889, quando o neurônio foi descoberto, ninguém tinha documentado o nascimento de uma célula nervosa em humanos adultos. A simples comprovação dessa possibilidade abre caminhos incríveis.
“Eu acho que o cérebro tem um grande potencial inexplorado de regeneração”, disse o sueco Eriksson. Neurônios não se dividem ao meio. São tão especializados que não têm as proteínas necessárias para se reproduzir. Os recém-nascidos encontrados por Eriksson e Gage surgiram da divisão de um outro tipo de célula, as células-tronco, uma espécie de estepe sempre à espera de um estímulo químico para se multiplicar.
Uma pesquisa publicada em junho tornou o sonho mais real. O mexicano Arturo Alvarez Buylla, da Universidade Rockefeller, em Nova York, achou células-tronco em outra parte do cérebro, a zona subventricular. Elas, porém, não fazem neurônios naturalmente, só quando induzidas em laboratório. Acontece que Buylla também descobriu que aquelas células-tronco eram os já conhecidos astrócitos, corpos que envolvem neurônios e que ninguém julgava capazes de produzi-los. Temos bilhões de astrócitos no sistema nervoso. Ou seja, o potencial de regeneração do cérebro não seria apenas grande. Seria ilimitado.
“Estou esperançoso”, disse Buylla. “Achamos as progenitoras. Agora temos que induzi-las a gerar neurônios”. “Quando a ciência sabe o que procura, geralmente encontra”, avalia otimista o neurologista Cícero Galli Coimbra, da Universidade Federal de São Paulo.
Embora esteja provado que os neurônios são capazes de se multiplicar, sabe-se que eles não o fazem naturalmente em quantidade suficiente. Caso contrário, danos no tecido nervoso cicatrizariam como cortes na pele. “Animais mais primitivos fazem isso”, diz o neurologista Ciro da Silva, um brasileiro da Universidade de São Paulo que está entre os principais pesquisadores da área. “Ao longo da evolução, nosso cérebro foi se tornando mais complexo e ficou tão especializado que deixou de se consertar”. Ou seja, a enorme quantidade de substâncias e a grande variedade de conexões que cada célula teve que dominar quando os humanos ficaram mais espertos tornou-as difíceis de substituir.
A boa nova é que o mecanismo de cura não foi perdido. Está só desligado, à espera de substâncias químicas que o reativem. É justamente essa a área mais promissora da pesquisa e aquela à qual se dedica Ciro – a busca dos chamados fatores de crescimento. Ou seja, as substâncias certas que vão induzir as células-tronco certas a se transformar nos neurônios certos e se ligarem aos vizinhos do jeito certo. “Já foram identificados doze diferentes fatores”, diz Ciro. “Sabemos que os remédios serão combinações entre eles”.
Um dia, os cientistas poderão retirar células-tronco, possivelmente astrócitos, do pedaço do cérebro que quiserem reparar, portanto prontas para substituir os neurônios daquela região. Depois, bastará submetê-las a fatores de crescimento, deixar que elas se multipliquem e implantá-las de volta. Um grande passo para transformar essa teoria em uma terapia eficaz foi dado pelo russo Valery Kukekov, da Universidade do Tennessee, Estados Unidos. Em abril, ele anunciou que tinha conseguido cultivar células-tronco em laboratório.
“Quando os cirurgiões realizam uma lobotomia, que é a separação dos hemisférios cerebrais de pacientes graves de epilepsia, retiram células cerebrais”. “O que fizemos foi pegar esse material, estimulá-lo com fatores de crescimento e gerar novas células-tronco”. Só que, depois disso, elas tendem a continuar se multiplicando. No cérebro, esse crescimento desenfreado geraria um tumor. “Conseguimos, então, induzi-las a começar a se transformar em neurônios, perdendo a capacidade de multiplicação”, diz ele. Ou seja, reproduziram-se células do próprio cérebro, portanto sem risco de rejeição, e elas ficaram no ponto para o implante. As boas notícias não param aí. Pesquisas com ratos demonstram que neurônios imaturos sabem o que fazer quando colocadas no cérebro. A vizinhança lhes envia sinais químicos que indicam onde ficar e para que lado estender conexões. O tcheco Hynek Wichterle, da Universidade Rockefeller, injetou células em cobaias com danos cerebrais e observou que elas migravam para o lugar onde eram necessárias. “Aparentemente, elas começaram a restabelecer as conexões nervosas perdidas”.
O sueco Eriksson também está tendo resultados excelentes tratando roedores com derrame, a mais complicada de todas aquelas doenças, porque mata uma quantidade enorme de neurônios diferentes em vários lugares do cérebro. “Conseguimos o retorno de funções perdidas”. Mas não é possível dar mais detalhes porque a pesquisa não terminou”. As coisas estão acontecendo muito rápido, tudo converge para a cura do que sempre se julgou incurável. A teimosa estrela está cedendo. Vários pesquisadores, incluindo Ciro, estão conseguindo fazer que células nervosas danificadas de ratos se reconectem. Os axônios, banhados num gel de fatores de crescimento, voltam a crescer e retomam sua função. “O melhor é que estamos percebendo que um retorno estrutural de apenas 10% já garante a volta da sensibilidade e dos movimentos”. Ou seja, um ganho enorme para tetraplégicos e paraplégicos.
Os pesquisadores também perceberam que os fatores de crescimento podem proteger as células. Durante um derrame, por exemplo, a morte de um grupo de neurônios acaba liberando substâncias que matam milhares de outros, ao longo de semanas. O uso dos fatores logo após a internação interrompe essa reação em cadeia.
Um outro trabalho recente e incrível, cujos resultados deverão ser sentidos logo, relaciona a criação de novos neurônios aos estímulos do meio ambiente. A neurologista americana Elizabeth Gould, da Universidade de Princeton, provou que ratos presos em jaulas mais desafiadoras, com mais brincadeiras e labirintos, produzem mais neurônios.
Aparentemente, estímulos externos acionaram o mesmo mecanismo que os pesquisadores querem ativar com injeção de substâncias. Mais uma prova da capacidade do cérebro de se autoconsertar. “Resta saber se o mesmo se aplica a humanos”. De qualquer forma, os tratamentos de fisioterapia e de reabilitação de vítimas de derrame deverão mudar, inspirados pelos resultados com cobaias.
É. Parece que, afinal de contas, a célula nervosa não é uma estrela tão antipática quanto insinuavam os cientistas. Faltava apenas tratá-la com mais compreensão.

Cinco voluntários, em estado terminal de câncer, receberam doses de um marcador, substância que gruda no DNA da célula quando ela se multiplica. Portanto, só é absorvida quando há divisão. Assim, os pesquisadores sabem que toda célula marcada é nova.
Depois que os pacientes morreram, os médicos abriram seu cérebro e encontraram o marcador – prova de que havia células novas.
Para surpresa de todos, as células novas eram neurônios. Só que neurônios não se dividem. Quem poderia então tê-los gerado? A única explicação possível para o surgimento de neurônios novos é que eles fossem filhos das chamadas células-tronco. Elas são corpos não especializados à espera de comandos químicos para se transformar em outras células. Ao se dividirem, elas teriam absorvido o marcador.
O cérebro, então, enviou uma ordem química para a célula-tronco recém-dividida. Ele avisou que precisava de neurônios novos e mandou que ela se transformasse em célula nervosa. As substâncias químicas, então, fizeram com que ela se especializasse.
No final, surgiu uma célula nervosa igualzinha às outras, encontrada depois pelos médicos no hipocampo. Até hoje, julgava-se que o cérebro era incapaz de produzir uma dessas depois da fase embrionária, mas a nova descoberta derrubou o mito.
A cabeça pode estar cheia de células-tronco.
Nem só de neurônios é feito o cérebro. Praticamente todo o resto do espaço é ocupado por diferentes células. De todas as células cerebrais, as mais numerosas são os astrócitos, que podem ser os geradores de novas células nervosas.
Células-tronco, possivelmente astrócitos, depois de extraídas com microcirurgia da região do cérebro que está doente, seriam cultivadas em laboratório. As células-tronco se transformariam em neurônios ainda pouco diferenciados e seriam introduzidas na mesma área do cérebro.
Os cientistas esperam que elas saibam o que fazer daí para a frente. O ambiente as induziria a estabelecer conexões e a começar a funcionar.
A medula espinhal é bem menos complexa que o cérebro. Há menor quantidade de células e menos conexões. Deve ser a primeira cura a ser alcançada, ainda na próxima década.
Neurônios que passam pela espinha são muito grandes, têm mais de 1 metro de comprimento. Uma lesão ali pode cortar suas conexões, acabando com a transmissão de impulsos. Mas o corpo celular pode estar vivo lá no cérebro.
Quando os axônios são rompidos, as células param de transmitir informações e preparam-se para crescer. Como não têm as substâncias necessárias, não conseguem se consertar e podem morrer. A injeção de fatores de crescimento promove a recuperação do neurônio, que começa a estender de novo seu axônio. A conexão se restabelece. Voltam a sensibilidade e o movimento.



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