Publicado em "www.litorakmania.com.br" - 25/07/2.016
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“Por
mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.
A
SUPERMÁQUINA 6 – O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS NEURÔNIOS
O
MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS NEURÔNIOS
Depois de um século pensando
o contrário, os cientistas descobriram que novos neurônios nascem também em
adultos. Agora sonham com a cura de lesões na espinha, derrames, Parkinson e
Alzheimer
Célula difícil, é a estrela do organismo, complicada que só ela. Tem
centenas de ligações a solicitando ao mesmo tempo. Carrega na bolsa substâncias
químicas cujos sutis efeitos os cientistas ainda não entendem bem. Como sempre
acontece, essa condição de prima-dona vem acompanhada de um péssimo
temperamento. Ao ser afetada por qualquer mal, sua recuperação vira um drama.
Por fim, como toda celebridade, ela é insubstituível.
Era. Uma equipe da Universidade Rockefeller, em Nova York, anunciou que
outra célula, chamada astrócito, consegue gerar novos neurônios em pelo menos
uma região do cérebro, a que armazena a memória. Melhor ainda: os astrócitos
são muito abundantes no sistema nervoso, ou seja, o potencial de restauração é
gigantesco. A descoberta vem no rastro de uma outra, tão surpreendente quanto.
Em novembro do ano passado, um sueco e um americano tornaram realidade o sonho
de dez em cada dez neurologistas, eles concluíram que neurônios de adultos se
regeneram, sim. Agora, pesquisadores do mundo todo estão tentando domar as
indóceis estrelas e convencê-las a voltar ao trabalho depois de um tropeção
qualquer.
Cada neurônio é diferente de todos os outros. No sistema nervoso, ao
contrário dos demais tecidos, cada um é um, com forma, função e arsenal químico
únicos. Imagine a dificuldade que seria repor essa célula, caso ela morra. Não
é à toa que nunca se imaginou que o cérebro conseguisse se regenerar. Pode, sim!
Tudo o que sempre se pensou sobre neurônios ruiu em novembro de 1.998,
quando Fred Gage, da Universidade da Califórnia, e Peter Eriksson, do Instituto
Universitário de Gotemburgo, Suécia, publicaram a notícia mais esperada da
história da neurobiologia. Eles tinham observado cérebros de cinco cadáveres e
a conclusão chacoalhou a Medicina. Todos haviam gerado neurônios antes de
morrer.
É verdade que só uma pequena região do cérebro foi pesquisada, o
hipocampo, e que o número de novas células era irrisório – não mais que uma
dúzia. Mas, desde 1.889, quando o neurônio foi descoberto, ninguém tinha
documentado o nascimento de uma célula nervosa em humanos adultos. A simples
comprovação dessa possibilidade abre caminhos incríveis.
“Eu acho que o cérebro tem um grande potencial inexplorado de
regeneração”, disse o sueco Eriksson. Neurônios não se dividem ao meio. São tão
especializados que não têm as proteínas necessárias para se reproduzir. Os
recém-nascidos encontrados por Eriksson e Gage surgiram da divisão de um outro
tipo de célula, as células-tronco, uma espécie de estepe sempre à espera de um
estímulo químico para se multiplicar.
Uma pesquisa publicada em junho tornou o sonho mais real. O mexicano
Arturo Alvarez Buylla, da Universidade Rockefeller, em Nova York, achou
células-tronco em outra parte do cérebro, a zona subventricular. Elas, porém,
não fazem neurônios naturalmente, só quando induzidas em laboratório. Acontece
que Buylla também descobriu que aquelas células-tronco eram os já conhecidos
astrócitos, corpos que envolvem neurônios e que ninguém julgava capazes de
produzi-los. Temos bilhões de astrócitos no sistema nervoso. Ou seja, o
potencial de regeneração do cérebro não seria apenas grande. Seria ilimitado.
“Estou esperançoso”, disse Buylla. “Achamos as progenitoras. Agora temos
que induzi-las a gerar neurônios”. “Quando a ciência sabe o que procura,
geralmente encontra”, avalia otimista o neurologista Cícero Galli Coimbra, da
Universidade Federal de São Paulo.
Embora esteja provado que os neurônios são capazes de se multiplicar,
sabe-se que eles não o fazem naturalmente em quantidade suficiente. Caso
contrário, danos no tecido nervoso cicatrizariam como cortes na pele. “Animais
mais primitivos fazem isso”, diz o neurologista Ciro da Silva, um brasileiro da
Universidade de São Paulo que está entre os principais pesquisadores da área.
“Ao longo da evolução, nosso cérebro foi se tornando mais complexo e ficou tão
especializado que deixou de se consertar”. Ou seja, a enorme quantidade de
substâncias e a grande variedade de conexões que cada célula teve que dominar
quando os humanos ficaram mais espertos tornou-as difíceis de substituir.
A boa nova é que o mecanismo de cura não foi perdido. Está só desligado,
à espera de substâncias químicas que o reativem. É justamente essa a área mais
promissora da pesquisa e aquela à qual se dedica Ciro – a busca dos chamados
fatores de crescimento. Ou seja, as substâncias certas que vão induzir as
células-tronco certas a se transformar nos neurônios certos e se ligarem aos
vizinhos do jeito certo. “Já foram identificados doze diferentes fatores”, diz
Ciro. “Sabemos que os remédios serão combinações entre eles”.
Um dia, os cientistas poderão retirar células-tronco, possivelmente
astrócitos, do pedaço do cérebro que quiserem reparar, portanto prontas para
substituir os neurônios daquela região. Depois, bastará submetê-las a fatores
de crescimento, deixar que elas se multipliquem e implantá-las de volta. Um
grande passo para transformar essa teoria em uma terapia eficaz foi dado pelo
russo Valery Kukekov, da Universidade do Tennessee, Estados Unidos. Em abril,
ele anunciou que tinha conseguido cultivar células-tronco em laboratório.
“Quando os cirurgiões realizam uma lobotomia, que é a separação dos
hemisférios cerebrais de pacientes graves de epilepsia, retiram células
cerebrais”. “O que fizemos foi pegar esse material, estimulá-lo com fatores de
crescimento e gerar novas células-tronco”. Só que, depois disso, elas tendem a
continuar se multiplicando. No cérebro, esse crescimento desenfreado geraria um
tumor. “Conseguimos, então, induzi-las a começar a se transformar em neurônios,
perdendo a capacidade de multiplicação”, diz ele. Ou seja, reproduziram-se
células do próprio cérebro, portanto sem risco de rejeição, e elas ficaram no
ponto para o implante. As boas notícias não param aí. Pesquisas com ratos
demonstram que neurônios imaturos sabem o que fazer quando colocadas no
cérebro. A vizinhança lhes envia sinais químicos que indicam onde ficar e para
que lado estender conexões. O tcheco Hynek Wichterle, da Universidade
Rockefeller, injetou células em cobaias com danos cerebrais e observou que elas
migravam para o lugar onde eram necessárias. “Aparentemente, elas começaram a
restabelecer as conexões nervosas perdidas”.
O sueco Eriksson também está tendo resultados excelentes tratando
roedores com derrame, a mais complicada de todas aquelas doenças, porque mata
uma quantidade enorme de neurônios diferentes em vários lugares do cérebro.
“Conseguimos o retorno de funções perdidas”. Mas não é possível dar mais
detalhes porque a pesquisa não terminou”. As coisas estão acontecendo muito
rápido, tudo converge para a cura do que sempre se julgou incurável. A teimosa
estrela está cedendo. Vários pesquisadores, incluindo Ciro, estão
conseguindo fazer que células nervosas danificadas de ratos se reconectem. Os
axônios, banhados num gel de fatores de crescimento, voltam a crescer e retomam
sua função. “O melhor é que estamos percebendo que um retorno estrutural de
apenas 10% já garante a volta da sensibilidade e dos movimentos”. Ou seja, um
ganho enorme para tetraplégicos e paraplégicos.
Os pesquisadores também perceberam que os fatores de crescimento podem
proteger as células. Durante um derrame, por exemplo, a morte de um grupo de
neurônios acaba liberando substâncias que matam milhares de outros, ao longo de
semanas. O uso dos fatores logo após a internação interrompe essa reação em
cadeia.
Um outro trabalho recente e incrível, cujos resultados deverão ser
sentidos logo, relaciona a criação de novos neurônios aos estímulos do meio
ambiente. A neurologista americana Elizabeth Gould, da Universidade de
Princeton, provou que ratos presos em jaulas mais desafiadoras, com mais
brincadeiras e labirintos, produzem mais neurônios.
Aparentemente, estímulos externos acionaram o mesmo mecanismo que os
pesquisadores querem ativar com injeção de substâncias. Mais uma prova da
capacidade do cérebro de se autoconsertar. “Resta saber se o mesmo se aplica a
humanos”. De qualquer forma, os tratamentos de fisioterapia e de reabilitação
de vítimas de derrame deverão mudar, inspirados pelos resultados com cobaias.
É. Parece que, afinal de contas, a célula nervosa não é uma estrela tão
antipática quanto insinuavam os cientistas. Faltava apenas tratá-la com mais
compreensão.
Cinco voluntários, em estado terminal de câncer, receberam doses de um
marcador, substância que gruda no DNA da célula quando ela se multiplica.
Portanto, só é absorvida quando há divisão. Assim, os pesquisadores sabem que
toda célula marcada é nova.
Depois que os pacientes morreram, os médicos abriram seu cérebro e
encontraram o marcador – prova de que havia células novas.
Para surpresa de todos, as células novas eram neurônios. Só que
neurônios não se dividem. Quem poderia então tê-los gerado? A única explicação
possível para o surgimento de neurônios novos é que eles fossem filhos das
chamadas células-tronco. Elas são corpos não especializados à espera de
comandos químicos para se transformar em outras células. Ao se dividirem, elas
teriam absorvido o marcador.
O cérebro, então, enviou uma ordem química para a célula-tronco
recém-dividida. Ele avisou que precisava de neurônios novos e mandou que ela se
transformasse em célula nervosa. As substâncias químicas, então, fizeram com
que ela se especializasse.
No final, surgiu uma célula nervosa igualzinha às outras, encontrada
depois pelos médicos no hipocampo. Até hoje, julgava-se que o cérebro era
incapaz de produzir uma dessas depois da fase embrionária, mas a nova
descoberta derrubou o mito.
A cabeça pode estar cheia de células-tronco.
Nem só de neurônios é feito o cérebro. Praticamente todo o resto do
espaço é ocupado por diferentes células. De todas as células cerebrais, as mais
numerosas são os astrócitos, que podem ser os geradores de novas células
nervosas.
Células-tronco, possivelmente astrócitos, depois de extraídas com
microcirurgia da região do cérebro que está doente, seriam cultivadas em
laboratório. As células-tronco se transformariam em neurônios ainda pouco
diferenciados e seriam introduzidas na mesma área do cérebro.
Os cientistas esperam que elas saibam o que fazer daí para a frente. O
ambiente as induziria a estabelecer conexões e a começar a funcionar.
A medula espinhal é bem menos complexa que o cérebro. Há menor
quantidade de células e menos conexões. Deve ser a primeira cura a ser
alcançada, ainda na próxima década.
Neurônios que passam pela espinha são muito grandes, têm mais de 1 metro
de comprimento. Uma lesão ali pode cortar suas conexões, acabando com a
transmissão de impulsos. Mas o corpo celular pode estar vivo lá no cérebro.
Quando os axônios são rompidos, as células param de transmitir
informações e preparam-se para crescer. Como não têm as substâncias
necessárias, não conseguem se consertar e podem morrer. A injeção de fatores de
crescimento promove a recuperação do neurônio, que começa a estender de novo
seu axônio. A conexão se restabelece. Voltam a sensibilidade e o movimento.