segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

INVADEM NOSSO JARDIM

 


PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira

“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

 

INVADEM NOSSO JARDIM

Eduardo Alves Costa, um poeta e dramaturgo carioca, escreveu um poema na década de 60, que se transformou em um hino na luta contra a ditadura militar, no Brasil. O poema chama-se “No Caminho, com Maiakóvski” e é uma verdadeira manifestação de revolta à intolerância e violência daqueles tempos. O poema ressurgiu durante a campanha das Diretas Já, aparecendo em postes, camisetas e outros locais.

 O grande problema foi este: como o título do poema falava de Maikakóvski, nasceu a confusão. Inclusive, alguns dizendo que o verdadeiro autor era o Bertold Brecht. E hoje, tornou-se incrivelmente atual.

 Chama-se “No Caminho, com Maiakóvski”. Eis o trecho mais conhecido:

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

 Eduardo Alves da Costa

Quando tergiversamos ante ações explicitamente criminosas estamos ingressando num caminho sem volta, isso se não forem tomadas providências enérgicas, doa a quem doer.

Ranolfo Vieira Júnior, vice-governador do RS afirmou: “No momento em que não temos condições de realizar um clássico de futebol com as duas torcidas ou com torcida, parece que admitimos termos chegado ao fundo do poço”.

Casos similares têm se sucedido com monocórdia frequência e parecem ser assimilados como “coisas de torcedores exaltados”. NÃO SÃO! No presente caso caracteriza-se uma tentativa de homicídio com dolo eventual. Segundo o Código Penal Brasileiro, ”o dolo eventual ocorre quando alguém assume o risco de produzir um resultado proibido pela lei penal”.

O jogador do Grêmio Villasanti foi atingido por uma pedra de tamanho avantajado e só não teve um resultado trágico, possivelmente fatal, pela conjunção de fatores fortuitos, as possibilidades em contrário, morte de Villasanti, eram preponderantes. Não se alegue que o agressor não pretendia infringir graves danos físicos em jogador(es) do Grêmio. NÃO PODE FICAR IMPUNE! O caso tem de ser tratado, na esfera judicial, como tentativa de homicídio sem dolo e aplicada a pena prevista no Código Penal Brasileiro.

Um caso similar ocorreu na Argentina antes de um confronto entre River Plate e Boca Juniors. A FIFA ordenou a realização da partida no Estádio Santiago Bernabeu, na Espanha.

Sempre haverá quem advogue, no caso presente - o cúmulo do non-sense - a realização do jogo no Beira-Rio.  Beneficiará a equipe que representa os covardes agressores.

Ressalto um fato que deve ter deixado perplexos os que acompanharam o desenrolar dos acontecimentos: Por que o presidente do Grêmio não acompanhou os presidentes da Federação Gaúcha de Futebol e do Internacional nos pronunciamentos finais? Terá intuído uma tendência para a realização do jogo no Beira-Rio, com torcida única, beneficiando o clube acusado de acolher os criminosos?

Relembremos que ofensas racistas proferidas por uma torcedora gremista durante um jogo contra o Santos e dirigidas ao goleiro Aranha resultou na desclassificação do Grêmio na competição. Alega-se que foram pronunciadas DENTRO da Arena e por isso a punição rigorosa. Os agressores de Villasanti agiram nas imediações do Beira-Rio, FORA do estádio, porém, se abrigaram DENTRO dele. Alegar que dois foram identificados e entregues às autoridades equivale ao fato da racista também tê-lo sido. Qual a diferença intrínseca?

Por que o Grêmio foi penalizado a maneira o mais grave possível – exclusão da competição – e cogita-se BENEFICIAR o Internacional, clube do agressor, com torcida única? A torcida do agressor? Para evitar confrontos perigosos? Por que não se procede como no caso dos argentinos, campo neutro?

Perguntas, perguntas, perguntas. Alguém poderá respondê-las com equidade, justiça, imparcialidade e respeito à igualdade de direitos?

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

INSTINTO, TOTALITARISMO, DEMOCRACIA

 

PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira

“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

 

INSTINTO, TOTALITARISMO, DEMOCRACIA

Humanos e animais têm as mesmas necessidades básicas: conviver harmoniosamente com seus semelhantes e, também, com as outras espécies, caso contrário as disputas por território e alimentos culminariam numa luta interminável e catastrófica.                                                                        Como as necessidades são díspares, cada espécie traça a sua rota, resta delimitar a convivência entre os indivíduos afins. Nos animais o instinto estabelece as regras.                                                                                       Nas alcateias o lobo alfa elege uma loba também alfa para procriar enquanto os demais componentes são acessórios, com diversas funções. Leões também vivem em grupos, o acasalamento dura de dois a quatro dias e as fêmeas ovulam de duas a três vezes por hora. Nesse período a cópula pode ocorrer diversas vezes e com diferentes machos do bando, o que pode gerar uma ninhada com diferentes pais.                                                                     Outros tipos de comportamento existem e a harmonia se estabelece desde que seja obedecida a hierarquia.

O homo sapiens orbita em outra escala, a sociedade evoluiu do sistema paternal, onde um líder comanda o grupo não muito numeroso, familiar de preferência, para organizações mais complexas e compostas por um número bem mais expressivo, milhares, quiçá milhões. Reis, líderes religiosos, imperadores e outros que tais atravessaram séculos exercendo uma liderança inconteste, autoritária, geralmente com sucessão hereditária.

A Democracia Ateniense foi um regime político criado e adotado na Grécia Antiga.  Ela foi essencial para a organização política das cidades-estados gregas, sendo o primeiro governo democrático da história. O poder não estava mais concentrado nas mãos da aristocracia, todos os cidadãos livres, maiores de 18 anos e nascidos em Atenas, poderiam participar das Assembleias que regiam os destinos das cidades, embriões dos futuros países. Um detalhe: mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos. Muitos séculos decorreram antes de se consubstanciar uma democracia plena.

Uma luta extenuante para se aperfeiçoar um regime equipolente, onde TODOS têm o direito de votar e de serem eleitos, sem receio de contestações por líderes carismáticos frustrados com o resultado das apurações e que se consideram “mais iguais”. Esses, inconformados com a igualdade de direitos e deveres, amiúde subvertem o regime e dão origem a ditaduras, todas execráveis, imorais e retrógradas. Atualmente cognominadas de ”esquerda” ou de “direita”, devem ser sepultadas a uma profundidade inalcançável.                                                                                              Lenin-Stalin derrubaram o regime czarista e instituíram o regime comunista na Rússia, em1917. Não foi um avanço, foi uma mudança do ruim para o pior.                                                                                                            Hitler, na Alemanha, inconformado com as extorsões protagonizadas pelos aliados da 1ª Guerra Mundial no Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, que impôs a “Paz dos Vencedores” se insurgiu.                                                                                                                            Escandalosamente arbitrárias e indigeríveis pela Alemanha os termos duríssimos e draconianos protagonizaram a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) que deixou como saldo 40 milhões de civis e 20 milhões de soldados mortos. Deveria ter sido um anátema para execrar as guerras, as tiranias, as ditaduras e todas as coisas que separam os humanos comuns dos que se julgam “mais iguais”.                                                                                                         NÃO FOI!                                                                                                           Até hoje persistem as ditaduras, algumas mascaradas por artifícios ignóbeis. Infelizmente os humanos ainda elegem “ídolos com pés de barro”, relembrando Nabucodonosor e o profeta Daniel.

Um longo caminho já foi percorrido e muito resta a ser trilhado antes de alcançarmos a JUSTIÇA e o equilíbrio de oportunidades para atingir o bem-estar social.

Líderes carismáticos, que podem ser representantes de religiões, do poder econômico, de ideologias e outros mais, ainda encantam multidões, criam adeptos convictos ferrenhos e os aliciam em proveito próprio, prometendo mundos e fundos e retribuindo apenas com sonhos que serão descumpridos. As maiorias assim enganadas se debatem numa subvida enquanto os “mais iguais” e seus áulicos se refestelam no BEM-BOM.

Uma luz insiste em brilhar no fim do túnel e se origina nos países em que a social-democracia tenta se consolidar. O progresso técnico, o bem-estar proporcionado pela riqueza em ascensão nas democracias de fato, aliados ao compartilhamento dos benefícios para toda a população ativa (os que não podem se sustentar por motivos diversos são amparados por fundos específicos que o Estado financia, retirando verbas dos impostos arrecadados da comunidade). Evidentemente, regras devem ser respeitadas, não tem cabimento a comunidade sustentar pessoas que não têm o mínimo interesse em contribuir com sua parte, todos devem participar do esforço conjunto, desde que estejam aptos para tanto.

Nem capitalismo selvagem, que só visa o lucro, nem ditaduras cruéis chefiadas por ditadores, de esquerda ou de direita, ambas detestáveis e desumanas.                                                                                                                Países como a Noruega, a Suécia, a Finlândia, para citar alguns, estão tateando e parecem rumar ao equilíbrio tão almejado. Estão avançando rumo à JUSTIÇA SOCIAL COM PROGRESSO ECONÔMICO E DEMOCRACIA, cada cidadão faz parte de um todo harmônico, onde os dirigentes se comportam como líderes de fato e de direito, eticamente corretos.                                                                                    CHEGAREMOS LÁ                                                                                            QUANDO?                                                                                       QUANDO A JUSTIÇA PREPONDERAR SOBRE A GANÂNCIA.

Para finalizar: inútil o sonho utópico de Thomas Morus, criador da “UTOPIA” que jamais se tornará realidade. Não somos abelhas nem formigas que seguem o instinto e não podem almejar progredir graças ao esforço e talento para tal.                                                                                           Como disse Jesus: Sempre tereis pobres entre vós” (Mc 14,7) ... “Os pobres sempre tendes convosco e podeis fazer-lhes o bem quando quiserdes. Mas a mim não tereis. 

POSFÁCIO:

De repente, não mais que de repente, em 23/02/2022, Vladimir Putin, no alto de sua arrogância e desprezo pela opinião e direito de quem quer que seja, invade a Ucrânia e inicia um confronto que sabemos como iniciou e não podemos imaginar quais serão suas consequências.

IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) - O secretário-geral da Otan (aliança militar ocidental), Jens Stoltenberg, concedeu entrevista nesta quinta-feira (24) para falar sobre os ataques da Rússia na Ucrânia.

 

Ele chamou o governo russo de mentiroso e disse que o ataque é um "ato brutal de guerra". Voltou a falar que a agressão é "o novo normal para nossa segurança, e nós temos de responder".

Naturalmente, sem ameaçar nada militarmente, dado que Kiev não é parte da aliança. Isso tende a cair em ouvidos moucos no Kremlin.



 

 

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

1808 - II

 


 

PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira

“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

 

1808 – II

A Família Real de Portugal iniciou viagem em 29 de novembro de 1807 e aportou na Bahia antes de se dirigir ao Rio de Janeiro. Na Bahia foi relevante a atuação de D. João VI, inclusive, abriu os portos do Brasil para navios de nações amigas.                                                                  INICIAVA UMA NOVA ERA NA HISTÓRIA DO BRASIL.

A esquadra de D. João VI e da Família Real Portuguesa entrou na Baia da Guanabara na tarde de 7 de março de 1808 para se estabelecer no Rio de Janeiro, uma cidadezinha de casas brancas, alinhadas rente à praia, emolduradas por altas montanhas cobertas por uma floresta luxuriante.

“D. João VI não primava pela elegância, vestia-se mal, repetia a mesma roupa todos os dias e recusava-se a troca-la, mesmo quando já estava suja e puída, conta Pedro Calmon. Na algibeira da casaca o rei levava os famosos franguinhos assados na manteiga, sem ossos, que devorava nos intervalos das refeições”.

Três homens exerceram um papel fundamental na história de João VI:  O primeiro foi D. Rodrigo da Costa Coutinho, o conde de Linhares, promoveu o desenvolvimento dos territórios portugueses na América. Sua morte, em 1814, abriu uma brecha no governo que D. João jamais conseguiu preencher.                                                                                                O segundo foi Antônio de Araújo e Azevedo, o conde da Barca. Não estava à altura do anterior como estadista, mas era considerado um dos intelectuais mais ilustres da corte no Brasil. Foi ele quem trouxe na bagagem, em 1807, as máquinas impressoras inglesas que inauguraram a imprensa no Brasil. Morreu em 1817, um ano antes da coroação de D. João VI.                                                                                                                          O terceiro homem decisivo na vida de D. João foi Thomás Antônio Villa Nova Portugal. Na fase final de seu governo no Brasil, já velho e cansado, D. João confiava cegamente em Villa Nova Portugal, não se dava ao trabalho de pensar, conta Tobias Monteiro, cabia Thomás resolver todas as questões, por mais insignificantes que fossem.            

Foram esses três homens que ajudaram a salvar a biografia de D. João, aparentemente condenada ao fracasso caso dependesse apenas de sua própria personalidade.

A corte chegou ao Brasil empobrecida, já estava falida quando deixou Lisboa, mas a situação se agravou no Rio de Janeiro. Deve-se lembrar que entre 10.000 e 15.000 portugueses atravessaram o Atlântico junto com D. João VI. Onde achar dinheiro para socorrer tanta gente? A primeira solução foi obter um empréstimo da Inglaterra, no valor de 600.000 libras esterlinas. Seria um pedaço da dívida que o Brasil herdaria de Portugal depois da Independência (sempre a dívida a nos apoquentar, aumentou em escalada escandalosa até atingir as cifras trilionárias da atualidade). Outra providência, igualmente insustentável no longo prazo, foi criar um banco estatal para emitir moeda. O “Banco do Brasil” é um exemplo do compadrio que se estabeleceu entre a monarquia e uma casta privilegiada de negociantes e fazendeiros, a partir de 1808.                                                     Qualquer semelhança com os desmandos praticados pelos últimos presidentes do Brasil não é mera coincidência.

Os cariocas, já naquela época, celebrizaram em versos:                          “Quem furta pouco é ladrão,                                                            Quem furta muito é barão                                                                         Quem mais furta e esconde                                                                       Passa de barão a visconde”.

Passados os atropelos da chegada, era hora de por mãos a obra e havia de tudo para fazer no Brasil: estradas escolas, tribunais, fábricas, bancos, comércio, imprensa, hospitais, comunicação... Em especial um governo organizado, escreveu o historiador Pedro Calmon. D. João não perdeu tempo. No dia 10 de março de 1808, quarenta e oito horas depois do desembarque organizou seu novo gabinete. O primeiro Ministério do Brasil ficou assim constituído:

NEGÓCIOS ESTRANGEIROS E DA GUERRA: D. Rodrigo de Souza Coutinho, futuro Conde de Linhares;                                                          NEGÓCIOS DO REINO: D. Fernando José de Portugal, futuro Marquês de Aguiar;                                                                                     NEGÓCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR: D. João Rodrigues de Sá e Menezes, Visconde de Anadia.

Caberia a esse ministério criai um país do nada. Melhorar as comunicações entre as províncias, estimular o povoamento e o aproveitamento das riquezas da colônia. Ampliar as fronteiras do Brasil para estabelecer os limites de um país em vias de desenvolvimento.

Entrementes, em Portugal sedições pipocavam e indicavam a necessidade da Família Real retornar. D. João enfrentou um dilema crucial: se voltasse a Portugal, poderia perder o Brasil, que acabaria decretando a independência. Se permanecesse no Rio de Janeiro, perderia Portugal.                                                                                  D. João cogitou a hipótese de enviar o príncipe regente D. Pedro enquanto permanecia no Brasil. D. Pedro recusou a alternativa e decidiu permanecer no Brasil, onde se sentia mais à vontade. Depois e muitas discussões, D. João surpreendeu com a seguinte frase:                                                                                    Pois bem, se o meu filho não quiser ir, eu irei”.  

No dia 26 de abril de 1821, D. João partia do Rio de Janeiro sem saber exatamente o que o esperava em Portugal.

Um rei de natureza tímida e avesso a tomar decisões enfrentou Napoleão em 1807 e conseguiu não apenas preservar os interesses de Portugal como deixar o Brasil maior e melhor do que havia encontrado ao chegar ao Rio de Janeiro, em1808.

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado


segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

SE DEUS NÃO TIVESSE CRIADO O HOMEM

 


PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira

“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

 

 

SE DEUS NÃO TIVESSE CRIADO O HOMEM – 27/07/2.015

SE DEUS NÃO TIVESSE CRIADO O HOMEM, O HOMEM SERIA COMPELIDO A CRIAR DEUS!

Por quê?

E disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. (Gênesis, 26)

Qual foi o fator que o diferenciou dos outros seres vivos? A liberdade de agir de acordo com sua vontade e discernimento, o livre-arbítrio, que tanto pode ser usado para o bem como para o mal. No episódio que descrevo adiante, tanto poderia fugir apavorado – não o fez – como usar a potencialidade que lhe fora conferida pelo Criador e se perguntar quem era este Ser tão poderoso – optou pela segunda alternativa – e intuiu Deus.

Na coluna “Comunicação” (27/02/2014) gizei que as duas molas propulsoras da humanidade foram, e são, a curiosidade e a insatisfação. A primeira o impele a procurar respostas para tudo que não compreende e a segunda o instiga a não desistir até alcançar o objetivo.

Há 200.000 anos quando surgiu, vivia num ambiente hostil e, não fora seu cérebro, esta frágil criatura não teria sobrevivido e prosperado. Seria mais uma das inúmeras espécies mal sucedidas da criação que se extinguiram. Graças às suas características singulares inventou e aperfeiçoou armas de defesa e ataque, moldou o meio ambiente à sua vontade, necessidades e conveniências, suplantou todas as demais e é, indubitavelmente, o píncaro da criação.

A jornada foi difícil, áspera e plena de obstáculos. Os animais foram domados ou deles se manteve a salvo pela astúcia, fuga ou construindo abrigos. Aprendeu a cultivar os vegetais ampliando suas fontes alimentares permitindo fixar residência e formar comunidades estáveis. Deixou de ser nômade.

Desde priscas eras analisava os fatos à sua maneira. Um raio incendiando uma árvore afugentava os animais, por mais fortes e bravios que fossem e isso encerrava o episódio. O homem, não!  Conhecia todos os perigos naturais, feras, precipícios, cataratas… mas aquela luz incandescente seguida dum estrondo que tudo destruíam estava fora de sua compreensão. Que poderia ser? Pela vez primeira não atinava com a resposta e isso o inquietava, constrangia, ele não admitia o desconhecimento.

Não conseguindo explicação plausível, concluiu ser algo acima de tudo que podia captar com seus sentidos. Surgiu a ideia do primeiro Deus, na mente do primeiro homem vivendo num aglomerado de seres da mesma espécie. Foi o primeiro, mas não o único. Todas as tribos, de todas as partes do mundo que se seguiram, mesmo isoladas como as na ilha da Páscoa, nas florestas da África e em outros rincões cultuaram seus deuses e os sacerdotes eram seus porta-vozes.

O inexplicável obtinha explicação e a curiosidade satisfeita. Surgiram as religiões. O politeísmo era a regra. Como muitos eram os mistérios, outros tantos os deuses. Foi na Grécia antiga que a mitologia atingiu seu esplendor, se não elaborou respostas para todas as questões, seguramente é a mais rica, estudada e reverenciada de todas. Deuses, semideuses, heróis, sílfides, nereidas, faunos e tudo o mais que puderam imaginar… nada ficou descuidado. Concomitantemente, a  ciência e a arte floresceram.

O monoteísmo surgiu depois, mas, até mesmo a Igreja Católica sinaliza para a Santíssima Trindade, um Deus em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O Judaísmo, o Islamismo, bem como algumas denominações cristãs não aceitam a doutrina trinitária.

Até o presente as perguntas não foram todas respondidas. Jamais o serão a pleno.

“Para cada resposta que obtemos nos surgem dez novas questões, mas o que nunca vai acabar é a procura do ser humano pelo conhecimento”. (Jayme J. de Oliveira)

“Mesmo quando era jovem, não conseguia acreditar que, se o conhecimento humano oferecesse perigo, a solução seria a ignorância. Sempre me pareceu que a solução tinha que ser a sabedoria. Qualquer avanço tecnológico pode ser perigoso, mas, os humanos não seriam humanos sem eles. (Isaac Asimov)

Com a evolução e o tempo o homo sapiens desvendou os segredos do raio e do trovão, dos vulcões, dos terremotos e da maioria dos fenômenos da natureza. O desconhecimento se deslocou para outros campos, mais complexos, mais intrigantes, porém a curiosidade com sua companheira inseparável, a insatisfação, continuam tão incrustados na mente humana como por ocasião da primeira dúvida e não cessarão jamais. É o que impulsiona o homo sapiens cada vez mais para o domínio do desconhecido mas não incognoscível.

 

 

Em 13/03/2017 o Papa Francisco fez um dos seus pronunciamentos que ficarão marcados na sua trajetória já tão impactante:

“Não é necessário crer em Deus para ser uma pessoa boa.                                                                   De certa forma, a ideia tradicional de Deus não está atualizada.                                                  Alguém pode ser espiritual, porém não necessariamente religioso.                                                  Não é necessário ir à igreja e dar dinheiro.                                                                                       Para muitos, a natureza pode ser uma igreja.                                                                              Algumas das melhores pessoas da história não criam em Deus, enquanto que muitos dos piores atos se praticaram em seu nome.

Coluna publicada por mim já concordava com tese semelhante, embora enfocada sob outro prisma.

Voltaire, pensador iluminista, anticlerical, poderia ser incluído no contexto do Papa Francisco. É de Voltaire o texto a seguir:

Agrego Voltaire, poderia acrescer Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Martin Luther King e inúmeros mais.

 

 

ORAÇÃO A DEUS

  

Prece Pela Tolerância – Voltaire

 

Não é mais aos homens que me dirijo.

É a Você, Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos.

Que os erros agarrados à nossa natureza não sejam motivo de nossas calamidades.

Você não nos deu coração para nos odiarmos nem mãos para nos enforcarmos.

Faça com que nos ajudemos mutuamente a suportar o fardo de uma vida penosa e passageira.

Que as pequenas diferenças entre as vestimentas que cobrem nossos corpos, entre nossos costumes ridículos, entre nossas leis imperfeitas e nossas opiniões insensatas não sejam sinais de ódio e perseguição.

Que aqueles que acendem velas em pleno dia para Te celebrar, suportem os que se contentam com a luz do sol.

Que os que cobrem suas roupas com um manto branco para dizer que é preciso Te amar, não detestem os que dizem a mesma coisa sob um manto negro.

Que aqueles que dominam uma pequena parte desse mundo, e que possuem algum dinheiro, desfrutem sem orgulho do que chamam poder e riqueza e que os outros não os vejam com inveja, mesmo porque Você sabe que não há nessas vaidades nem o que invejar nem do que se orgulhar.

Que eles tenham horror à tirania exercida sobre as almas, como também execrem os que exploram a força do trabalho.

Se os flagelos da guerra são inevitáveis, não nos violentemos em nome da paz.

Que todos os homens possam se lembrar de que são irmãos!

   Voltaire

 

Na página 80 do livro “ORIGENS” (traduzido para o português em outubro de 2017) Dan Brown (autor de best-sellers, entre os quais “O CÓDIGO DA VINCI”) escreve, e é a base de toda a obra:     

“Os primeiros seres humanos se sentiam assombrados com seu universo, especialmente com relação aos fenômenos que não conseguiam entender racionalmente. Para resolver esses mistérios, eles criaram um vasto panteão de deuses e deusas com o objetivo de explicar qualquer coisa que estivesse além de sua capacidade de compreensão: o trovão, as marés, os terremotos, os vulcões, a infertilidade, as doenças e até o amor.                                                                                  – Para os gregos antigos, o fluxo e refluxo do oceano eram atribuídos aos humores instáveis de Poseidon                                                                                                          – Para os romanos, os vulcões eram o lar de Vulcano, o ferreiro dos deuses, que trabalhava numa forja gigantesca embaixo da montanha, fazendo com que as chamas saíssem pela chaminé                                                                                             Os antigos inventaram deuses incontáveis para explicar não apenas os mistérios de seu planeta, mas também, os de seus corpos. A infertilidade era causada pela perda dos favores da deusa Juno. O amor era o resultado duma flechada de Eros.                 Quando os antigos experimentavam lacunas em sua compreensão do mundo, preenchiam-nas com deuses. No entanto, com o decorrer dos séculos, o conhecimento científico aumentou. À medida que as lacunas na compreensão do mundo natural foram desaparecendo, nosso Panteão de deuses começou a encolher”.

Recém iniciei a leitura, suponho, contudo, que evoluirá para o ponto de desmitificar as religiões tal como as conhecemos. Aliás, isso já ocorreu parcialmente como foi assinalado no parágrafo anterior. Em meu entendimento, a evolução se direcionará sempre mais para o encontro, num futuro talvez muito distante, da criatura com o Criador, seja lá o que isso signifique, segundo os desígnios há muito concebidos. Não se trata de determinismo, que significaria a anulação do livre arbítrio, mas um caminho natural da evolução até chegar ao apogeu.

 

Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado

 


sábado, 12 de fevereiro de 2022

1808

 


PONTO E CONTRAPONTO - por Jayme José de Oliveira

“Por mais brilhante que sejas, se não fores transparente, tua sombra será escura”.

 

1808

“Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil”.

Laurentino Gomes é membro do Instituto Histórico e Geográfico se São Paulo. Pós-graduado em Administração e com cursos de especialização na Inglaterra e Estados Unidos. Escreveu “1808”, 1822 e 1889, três volumes que dissecam a História do Brasil com uma pertinência, objetividade e discernimento extraordinários.

1808 relata a fuga de D. João VI e toda a corte de Portugal para o Brasil, fugindo de Napoleão, que era um rolo compressor imparável.

Resultado de dez anos de investigação jornalística, resgata e relata de forma acessível a história da fuga da corte de Portugal para o Brasil há duzentos anos.  Na realidade, a História do Brasil pode ser dividida entre antes e depois do fato.                                                                                                          Esta coluna incluirá excertos desta magnífica obra. Merecem ser conhecidos e divulgados.

“Imaginem que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia que o Presidente da República havia fugido para a Austrália, sob a proteção da Força Aérea dos Estados Unidos. Com ele, teriam partido, sem aviso prévio, todos os ministros, os integrantes dos tribunais de Justiça, os deputados e senadores e alguns dos maiores líderes empresariais. E mais: a esta altura, tropas da Argentina já estariam marchando sobre Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a caminho de Brasília. Abandonado pelo governo e todos os dirigentes, o Brasil estaria à mercê dos invasores, dispostos a saquear toda e qualquer propriedade que encontrassem pela frente e assumir o controle por tempo indeterminado”. (pg. 31)

Inimaginável? Foi exatamente algo similar o que aconteceu na manhã de 29 de novembro de 1807 quando circulou a informação de que a rainha de Portugal, o príncipe regente e toda a corte estavam fugindo para o Brasil sob a proteção da Marinha Britânica.

“Por volta das 3 horas da tarde, o menino José Trazimundo estava jantando em companhia do pai e dos irmãos quando ouviu o troar distante dos canhões. Era a Esquadra Inglesa do almirante Sidney saudando, com uma salva de 21 tiros, o pavilhão real da nau que conduzia o príncipe regente que deixava a barra do rio Tejo para entrar no Oceano Atlântico.      Abandonado à própria sorte, Portugal veria os piores anos de sua história”. (pg.56)

Cumpre perguntar: D. João VI tinha alternativa?

Quais as condições dos trânsfugas nessa retirada desordenada e feita sem planejamento?

“Tão grande foi o número de pessoas e tão apinhados estavam todos os navios que mal havia espaço para elas se deitarem nos conveses. As damas (...), desprovidas de qualquer traje, à exceção dos que estavam usando. Como os navios tinham apenas pequenas provisões, logo se tornou necessário solicitar ao almirante britânico que acolhesse a bordo de sua esquadra grande quantidade de passageiros. E, (para esses) foi uma grande sorte, porque os que permaneceram foram realmente objeto de piedade. A maior parte dormia no tombadilho, sem camas nem cobertas. A água era o artigo principal a reclamar atenção, a porção distribuída era mínima e a comida da pior qualidade, de tal modo que a vida se tornou um fardo”. (pg.94)

As peripécias que se desenrolaram durante a travessia do Oceano Atlântico até a chegada ao Brasil foi uma epopeia que todos os partícipes vivenciaram e guardaram pelo resto de suas vidas.

As naus que partiram num comboio, durante a travessia se separaram em dois grupos. Uma parte chegou ao Rio de Janeiro e a outra aportou na Bahia, nesta estava D. João VI e os principais membros da realeza.

“No dia 22 de janeiro, após 54 dias de mar e aproximadamente 6.400 quilômetros percorridos, D. Joáo VI aportou em Salvador. O restante do comboio tinha chegado ao Rio de Janeiro uma semana antes, no dia 17 de janeiro.

Apesar das agruras e perigos, não há notícia de mortes em acidentes fatais durante a viagem.

“A mesma Bahia que trezentos anos antes tinha visto a chegada da esquadra de Cabral, testemunhava um acontecimento que haveria de mudar para sempre e de forma profunda a vida dos brasileiros. Com a chegada da corte à Baía de Todos os Santos começou o último ato do Brasil-colônia e o primeiro do Brasil independente.

D. João VI passou um mês na Bahia. Foram dias de incontáveis festas, celebrações, passeios e decisões importantes, que haveriam de mudar os destinos do Brasil.

No dia 28 de janeiro, apenas uma semana depois de aportar em Salvador, D. João VI foi ao Senado da Câmara assinar seu mais famoso ato em território brasileiro: A CARTA RÉGIA DE ABERTURA DOS PORTOS AO COMÉRCIO DE TODAS AS NAÇÕES AMIGAS. A partir dessa data estava autorizada a importação de todos e quaisquer gêneros, fazendas e mercadorias que se conservavam em paz e harmonia com a Real Coroa”. (pg.106)

A chegada de D. João VI ao Brasil, como foi explicitado anteriormente, representou um divisor de águas que dicotomizou a História do Brasil.

“Duzentos anos atrás, o Brasil não existia. Pelo menos não era como é hoje: um país interligado, de fronteiras bem definidas e habitantes que se identificam como brasileiros, torcem pela mesma seleção de futebol, usam os mesmos documentos, viajam para fazer turismo ou trabalhar em cidades e estados vizinhos, frequentam escolas com currículo unificado, compram e vendem produtos e serviços.                                                                               Às vésperas da chegada da corte ao Rio de Janeiro, o Brasil era um amontoado de regiões mais ou menos autônomas, sem comércio ou qualquer outra forma de relacionamento. Cada capitania tinha o seu governante, sua pequena milícia e seu pequeno tesouro; geralmente uma ignorava a existência da outra, assinalou o naturalista francês Auguste de Saint Hilaire, que percorreu o Brasil de norte a sul entre 1816 e 1822.    Tudo isso mudaria com a chegada do príncipe regente. Agora essas províncias iam se fundir numa real unidade política, encontrando seu eixo natural na própria capital, o Rio de janeiro, onde passava a residir o rei, a corte e o gabinete”. (pg. 111)

Esta, em breves traços, a epopeia que transformou o Brasil-colônia num país que, em 1822, se declarou independente de Portugal com o brado “Independência ou Morte”, de D. Pedro I, às margens do Riacho Ipiranga.



Jayme José de Oliveira
cdjaymejo@gmail.com
Cirurgião-dentista aposentado