terça-feira, 27 de janeiro de 2015

QUANDO UM HUMORISTA FALA SÉRIO




Quando um humorista fala sério – Por Jayme José de Oliveira


Jayme José de Oliveira
Jayme José de Oliveira
Este discurso foi resgatado dum pronunciado há mais de 40 anos por Mario Moreno (Cantinflas) supostamente na ONU, num filme em que faz papel de um embaixador. Poderia ser repetido em qualquer foro político com absoluta atualidade. Relembro uma frase do humorista que se adapta como uma luva:
“Vamos jogar como cavalheiros ou como realmente somos”?
É uma homenagem ao homem sensível e cheio de bom humor que o México legou aos irmãoslatino-americanos. No final um link permite assistir as cenas com imagem e som originais.
“Tocou-me a sorte de ser o último orador, coisa que me agrada muito porque assim os pego cansados. Contudo, apesar da insignificância do meu país que não tem poderio militar, político, econômico e muito menos atômico. Todos vocês aguardam com interesse minhas palavras já que do meu voto depende a vitória dos Verdes ou dos Vermelhos.
Senhores representantes:
Estamos passando por um momento crucial em que a humanidade enfrenta a humanidade. Estamos vivendo ummomento histórico em que o homem, cientifica e intelectualmente é um gigante, porém moralmente um pigmeu. A opinião mundial está tão profundamente dividida em dois lados aparentemente irreconciliáveis, que o voto dum país débil e pequeno pode fazer a balança pender para qualquer lado. Estamos frente a uma grande balança com um dos pratos ocupado pelos Verdes e o outro pelos Vermelhos.
E agora eu digo, que sou um peso pluma e onde me coloque, para este lado penderá a balança.
FAÇAM-ME O FAVOR
Não creem que é muita responsabilidade para um único cidadão? Porque além de tudo não considero justo que metade da humanidade, seja qual for, seja condenada a viver sob um regime político que não lhe agrada, somente porque um frívolo embaixador votou, ou o fizeram votar num sentido ou noutro. Por isso eu, este que vos fala, seu amigo…não votarei em nenhum dos lados.
(vozes de protesto)
Não votarei em nenhum dos lados devido a três razões:
Primeiro porque, repito não seria justo que o voto de um único representante decida o destino de 100 nações.
Segundo, porque estou convencido que os procedimentos, repito, os procedimentos dos Vermelhos (os países comunistas)são desastrosos.
(vozes de protesto dos Vermelhos)
Terceira, porque estou convencido que os procedimentos dos Verdes (Estados Unidos) tampouco são dos mais bondosos.
(agora protestam os Verdes)

Insisto que falo de procedimentos e não de ideias nem de doutrinas. Para mim todas as ideias são respeitáveis, embora sejam “ideítas” ou “ideotas” e embora não esteja de acordo com elas.
O que pensa este senhor, ou este outro senhor, ou esse senhor (aponta), ou além aquele de bigodinho que não pensa nada porque adormeceu, nada nos impede que sejamos bons amigos.
Todos cremos na nossa maneira de ser, de viver, de pensar e mesmo de andar, sejam as melhores e este modelo tratamos de impor aos demais e se não aceitam dizem uma tais quais e de pronto os marginalizamos.
Vocês creem que isso é certo?
Seria tão fácil viver se apenas respeitássemos o modo de viver de cada um.
Há 100 anos, uma das mais humildes porém maiores figuras de nosso conhecimento já disse:
“O respeito ao direito é a paz”.
(aplausos)
Assim eu gosto… não que me aplaudam, mas que reconheçam a sinceridade das minhas palavras.
Estou de acordo com o que disse o representante da Salsichônia (referência à Alemanha) com humildade: “Com humildade dos pedreiros devemos lutar para derrubar a parede que nos separa, a parede da incompreensão, da desconfiança, do ódio. O dia em que o conseguirmos, poderemos dizer que evaporamos a parede.
(risos)
Porém a parede das ideias, não! Nunca! O dia que pensarmos e atuarmos de maneira igual deixaremos de ser homens para nos convertermos em máquinas, em autômatos.
Este é o grave erro dos Vermelhos, querem impor à força suas ideias e seu sistema político e econômico, falam de liberdades humanas, porém lhes pergunto:
Existe liberdade em seus próprios países?
Dizem defender os direitos do Proletariado mas seus próprios operários não tem o mais elementar direito de descanso. Falam de uma cultura universal ao alcance das massas, mas encarceram seus escritores que se atrevem a dizer a verdade. Falam de autodeterminação dos povos e sem embargo oprimem uma série de nações sem permitir-lhes que tenham a forma de governo que desejam.
(vozes de protesto)
Como podemos votar num sistema que fala de dignidade e em seguida atropela o mais sagrado que é a liberdade de consciência, eliminando ou pretendendo eliminar Deus por decreto? Não senhores, eu não posso estar com os Vermelhos, ou melhor, com sua maneira de agir; respeito seu modo de pensar, porém não posso dar meu voto para que seu sistema se implante à força em todos os países da terra.
(vozes de protesto)
Quem quiser ser Vermelho que o seja, desde que não pretenda sujeitar os demais!
(os Vermelhos se levantam para sair da Assembleia)
Um momento jovens! Homens, por quê tamanha sensibilidade? Mas não aguentam nada, ainda não terminei. Sentem. Já sei que é de seu hábito abandonarem reuniões quando ouvem algo que lhes desagrade, porém não terminei, sentem, não sejam precipitados… também tenho algo a dizer aos Verdes, não querem escutar?
E agora, meus queridos colegas Verdes, que dirão?
“Já votou por nós, não”?
Pois não jovens e não votarei em vocês porque vocês também tem muita culpa pelo que se passa no mundo, vocês também são meio soberbo como se o mundo fossem vocês e os outros tivessem uma importância muito relativa e quando falam de paz, de democracia e de coisas muito bonitas, às vezes também pretendem impor sua vontade pela força, pela força do dinheiro.
Estou de acordo com vocês que devemos lutar pelo bem coletivo e individual, em combater a misériae resolver os tremendos problemas habitacionais, do vestuário e do sustento. Porém, não estou de acordo com vocês é na forma como pretendem resolver estes problemas, vocês também sucumbiram ao materialismo, esqueceram os mais belos valores do espírito. Pensando apenas nos negócios, pouco a pouco foram se tornando credores da humanidade e por isso a humanidade os vê com desconfiança.
No dia da inauguração da Assembleia o senhor Embaixador da Lordânia disse que os remédios para todos os nossos males era ter automóveis, refrigeradores, televisores e eu pergunto:
Para que queremos automóveis se andamos descalços?
Para que queremos refrigeradores se não temos alimentos para por dentro deles?
Para que queremos tanques e armas se não temos escolas para nossos filhos?
Devemos lutar para que o homem pense na paz, porém não apenas impulsionada pelo instinto de conservação, mas fundamentalmente pelo dever que tem de superar-se e fazer do mundo uma morada de paz e tranquilidade cada vez mais digna da espécie humana e seus altos destinos. Porém esta aspiração não será possível se não houver abundância para todos, bem-estar comum, felicidade coletiva e justiça social. É verdade que está nas mãos de vocês, dos países poderosos da terra.
Verdes e Vermelhos
Em ajudar os débeis, porém não com doações nem empréstimos, nem com alianças militares. Ajudem-nos pagando um preço justo, mais equitativo por nossas matérias primas, ajudem-nos compartilhando conosco seus notáveis avanços na ciência, na técnica… não para fabricar bombas, porém para acabar com a fome e a miséria.
Ajudem-nos respeitando nossos costumes. Nossas crenças, nossa dignidade como seres humanos e nossa personalidade como nações, por pequenos e débeis que sejamos; pratiquem a tolerância e a verdadeira fraternidade que nós saberemos corresponder, porém deixem de nos tratar como simples peões de xadrez no tabuleiro da política internacional.
Reconheçam-nos como que somos, não apenas como clientes e ratos de laboratório e sim como seres humanos que sentimos, sofremos e choramos.
Senhores representantes, há mais uma razão para que eu não possa dar o meu voto:
Faz exatamente 24 horas que apresentei minha renúncia como embaixador do meu país e espero que seja aceita. Consequentemente não falei com vocês como Excelência porém como um cidadão comum, um homem livre, um homem qualquer. Contudo quero interpretar ao máximo o anseio de todos os homens da terra.
A ânsia de vivermos em paz, de sermos livres, de legarmos aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos um mundo melhor e no qual impere a boa vontade e a concórdia.
E como seria fácil, senhores, alcançar este mundo melhor em que todos os homens, brancos, negros, amarelos e acobreados, ricos e pobres pudessem viver como irmãos.
Se não fôssemos tão cegos, obcecados, orgulhosos. Se apenas regêssemos nossas vidas pelas sublimes palavras ditas há dois mil anos por aquele humilde carpinteiro da Galileia, simples, descalço, sem fraques nem condecorações.
“Amai-vos uns aos outros”.
Porém vocês, desgraçadamente, entenderam mal, confundiram os termos,
O que fizeram?
O que fazem?
“Armai-vos uns aos outros”>
Disse!
 SU EXCELÊNCIA  -  Mário Moreno (Cantinflas) – 17min33seg

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